1. O indesmentível e desejável pluralismo social
e cultural reais de uma sociedade/comunidade aberta dos nossos dias (que é
tanto um pluralismo horizontal, como um pluralismo vertical), se implica
decerto um relativismo moderado, no que respeita a valores e a perspectivas, e
mesmo um pluralismo axiológico, não se confunde seguramente e é mesmo
incompatível com o «relativismo radical anti-normativo» (ou relativismo
absoluto, dito por alguns de «pluralismo integral», e por outros ─ JOHN GRAY ─
de «pluralismo objectivo e radical dos valores», radical value-pluralism, ou objective
pluralism of the radical sort, que radica na «radical incomensurabilidade dos
valores» de JOSEPH RAZ, ou ainda, de «pluralismo intratável»), porquanto aquele
primeiro não abdica de um núcleo essencial (hard core) mínimo de valores
fundamentais comuns, tanto no momento objectivo-comunitário, como no momento
antropológico fundamental.
O que quer dizer que o próprio
pluralismo tem um limite: sem um mínimo de um comum universal de valor ou de
validade (ou de uma «forma de vida comum», no dizer do mesmo JOHN GRAY) não é
possível qualquer comunicação e a ruptura absoluta exclui mesmo o conflito. Por
isso JOHN RAWLS falou de «um pluralismo razoável» (a reasonable pluralism).
Este referente comum mínimo não
pode deixar de ser, hoje, por um lado, a concepção do homem como «pessoa» e,
por outro lado, a concepção da sociedade como uma «comunidade de pessoas». No
plano objectivo, a democracia liberal ou pluralista, a economia de mercado e o Estado
de Direito («rule of law»). Mesmo a democracia liberal ocidental não prescinde
de um referente axiológico central, comum e universal, que é a pessoa humana
individual e, pelo menos, os valores da liberdade e da igualdade.
2. Mas, apesar deste pluralismo
axiológico limitado ─ e justamente com ele ─, é perfeitamente defensável uma «unidade
ontológica de (toda) a ordem normativa cultural», i. é a existência de um mesmo
fundamento ontológico comum a todas as várias ordens normativas, seja esse
fundamento, para uns, já de origem divina, seja ele, para outros, um mesmo
poder ou fonte seculares, seja ele ainda uma mesma comunidade, seja ainda uma
mesma natureza humana comum e universal (= a «constituição
ontológico-fundamental» do «ser-aí», i.é. do homem – HEIDEGGER).
Quanto a nós, esse fundamento é a
autónoma pessoa humana individual e as suas dignidade e unidade. Mas pode
ver-se, sobre o tema, SOARES MARTÍNEZ, Filosofia do Direito, Coimbra, 1 991, p.
230 e seguintes.
Esta unidade ontológica é
incompatível, tanto com o unanimismo arcaico, tribal ou colectivista, ou com
uma acrítica homogeneidade social e cultural massificada, como com o referido
relativismo radical, absoluto ou anti-normativo. Mas é perfeitamente
compatível com aquele, referido por nós, pluralismo (axiológico, jurídico,
social, político, económico e cultural) limitado ou relativismo moderado: ou,
afinal, «pluralismo razoável» (reasonable pluralism), na fórmula de JOHN RAWLS.
VIRGÌLIO CARVALHO (Dr.).
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