– Da Liberdade em geral.
A «Liberdade Humana» é a
pré-condição ontológica e estrutural de todo o discurso normativo e de todos os
bens e valores humanos, sociais, culturais, económicos, jurídicos, políticos e Etc.
Ela não é um bem ou um valor como os outros, mas o pressuposto de todos eles.
Isto porque ela é a dimensão caracteristicamente mais relevante da «Natureza
Humana Comum e Universal», entendida como uma «constituição
ontológico-fundamental» (MAR-TIN HEIDEGGER, Ser e Tempo, 1 927).
A ser assim, a atitude
existencial autêntica do «Pôr em Liberdade» traduz-se, essen-cialmente, em: «Deixar-ser
o Ser (o meu e o dos outros entes) aquilo que ele verdadeira-mente “É” e tal
como originariamente se nos dá, se nos revela e se desdobra».
– Das Liberdades em especial.
Ela pode dar-se de múltiplos e
diversos modos.
Mas para os fins deste texto,
diremos, antes do mais, que ela é, hoje, tanto uma «Liberdade dos Antigos»
(Liberdade Socialmente Participativa), como uma «Liberdade dos Modernos» (Liberdade
Individual Negativa e Liberdades Positivas Socialmente Não-Parti-cipativas),
para usarmos uma dicotomia que ficou a dever-se a BENJAMIN CONSTANT.
Por ordem sequencial, diremos que
ela é:
1. Antes de tudo, uma «Liberdade
Negativa», tão bem posta em relevo por ISAIAH BERLIN, e que pressupõe que, se
todo o social é humano, todavia «nem todo o humano é social», o que radica na
nossa ineliminável «sociabilidade insociável» (ungesellige geselligkeit: KANT).
Ou seja, o «espaço vazio e aberto» de uma «liberdade de…», ou liberdade
interior e subjectiva de «Autonomia» de cada um de nós, como a «Reserva
Pessoal» de cada um face a «todo o social», ou face aos «Outros» seres humanos
e ao «Mundo» em geral e essencialmente presente na «Privacidade». JOHN LOCKE
chamou-lhe: «Independência em relação à vontade arbitrária de outrem».
Estamos aqui, pois, sob a égide
do que CARLOS AMARAL DIAS designa como o «Modelo do Negativo», ou seja, no domínio
psíquico em que se disciplina a nossa relação com o «insuportável», i. é, se
estrutura o psiquismo (negativamente) em face da dor, da ausência, da perda, da
separação, da diferença e, no limite, do Desamparo Radical como «Condição da
Espécie» — e lugar «Princeps» por onde se funda o Pensamento a partir, da, pelo
mesmo designada, «Não Coisa» («No Thing»): Cfr. O Negativo – ou o Retorno a Freud,
Fim de Século Edições, Lisboa, 1 999.
Sob este aspecto a liberdade
nunca é um dado adquirido definitivamente, mas exige um permanente, rigoroso
(e, por vezes, penoso) exercício de «introspecção» e de «auto- -análise» (insight) por forma a
permanentemente recompor e reconstituir a unidade e a integridade/integralidade
internas do «Self», ou a «Ipseidade».
E, por aqui, logo emerge um
sentido de «Responsabilidade para consigo próprio», i. é, pela auto-condução da
Existência e pela auto-conformação da própria personalidade.
A «Liberdade Negativa» pode ser,
ainda, a base, quando espessa e reflexivamente pensada para:
— Um direito ao «Recolhimento» e
à «Solitude» individuais; ou seja, ao «estar Só»;
— Um elementar direito ao «Silêncio»,
à «Quietude», ao «Sossego», à «Tranquili-dade Interna», à «Paz» e ao «Repouso»;
por isso que LUDWIG VAN BEETHOVEN disse que «a Paz e a Liberdade são os maiores
bens»;
— E pode ser a base para uma «Liberdade
de Consciência Própria», como «Coincidência e Identidade de si próprio» ou «de
Si a Si», ou «Auto-Consciência»; bem como a consequente possibilidade do
chamado «Livre Exame», ou, simplesmente, «Liberdade Ética».
Pode ainda implicar certos outros
«direitos», como: o de uma «Radical Incomunica-bilidade» (ou o «direito de não
falar» e ao «mutismo»); o «direito de resistência»; o «direito de
não-participação» e o «direito de insurreição legítima»; o «direito ao corpo e à
autoposse»; tal como o «direito de propriedade» no sentido originário de «direito
àquilo e/ou sobre aquilo que Me é Próprio» e, por aqui, um básico e íntimo
sentimento de «Auto-Estima», no qual se funda o sentimento-valor da «DIGNIDADE»
própria; o «direito à diferença na igualdade», ou à «diferença entre iguais»,
conforma ao princípio «todos iguais, todos diferentes !»; Etc.
Pode também ser a condição prévia
para «Abrir» a possibilidade de uma «Dimensão Autêntica» na «Ek-Sistência» e de
um «Poder-Ser Próprio».
E vai, obviamente, implicada no
primeiro sentido possível da Contemporânea «Ideia de Direito» como significando
o «direito de cada um a ser “Pessoa”» e a ser «reconhecido como “Pessoa”», i.
é, como «Sujeito Ético, Único, Não Fungível, Não Manipulável e Não Mudável (embora
«Mutável»)», logo, radicalmente, a um nível «Antropológico» e/ou «Ontológico»
fundamental.
Por tudo isto, implica os valores
autónomos e, por isso mesmo, mais próprios e íntimos da «Pessoa»: da «Dignidade»,
da «Autonomia», da «Liberdade» e da «Responsa-bilidade» de cada um de nós.
2. Depois, vêm as «liberdades
positivas» (i. é, liberdades no ser-mundo): sejam «socialmente participativas»,
sejam já «socialmente não participativas», ou «liberais».
a) – Estas últimas – que, com a,
acabada de referir, «liberdade negativa», constituem as chamadas «liberdades
liberais» - podem consistir:
- numa «Liberdade Relacional
Positiva», ou de estrita Comutatividade ou Recipro-cidade Contratual, própria
de quaisquer intercâmbios relacionais e inter-humanos e, desi-gnadamente, de
quaisquer «Trocas» económicas, que se efectiva no nível sócio-estrutural
fundamental intermédio ou do «Mercado», ou da «Catalaxia»; nela se inserem,
quer uma «Liberdade de Comércio», quer uma «Liberdade de Negócio»;
- e numa «Liberdade de Agir ou de
Acção» (=Agere) ou de «Realização Positiva»; e numa «Liberdade de Fazer Coisas»
e de «Realizar Objectivos» (=Facere); onde se inserem, quer uma «Liberdade de
Empresa ou de Empreendimento», quer uma «Liberdade (ou direito) de Trabalho»,
também no mesmo nível sociológico referido da «Catalaxia».
Todas estas quatro liberdades,
como modalidades da bem conhecida «Livre Iniciati-va», são uma «Actividade
Livre e Positiva do Ser-no-Mundo». E é da amplitude e do vigor destas
liberdades que depende a afirmação de uma «dimensão liberal» nas nossas
democracias, que, por isso mesmo, se denominam como «democracias liberais»; bem
como a existência e a afirmação, nas mesmas, de uma «sociedade civil liberal» (a
liberal civil society: JOHN GRAY), ou uma «civil association» (MICHAEL OAKESHOTT).
b) – As «liberdades socialmente
participativas» podem consistir:
- numa «liberdade participativa
básica», nos pequenos «todos» do nível sociológico micro-social e
contextual-concreto dos «mundos-da-vida», para onde é apropriada a chama-da «democracia
participativa» propriamente dita;
- e numa fundamentalíssima «Liberdade
Democrática» ou de «Participação Social e Política Global», no nível
supra-estrutural da «Comunidade Global», no qual nos reconhe-cemos como um «Nós
Global» e com o qual temos uma «Relação de Pertença».
c) – Cabe referir, também, nestas
«liberdades positivas» uma «Liberdade de Pensa-mento, de Opinião e de
Expressão»: o «direito à fala», já que o «direito ao silêncio» pertence à
«liberdade negativa».
3. Finalmente, devemos considerar
uma liberdade «fora», ou «acima», ou «para além» do «Mundo», dada na
«transfinitude» e numa relação «vertical» com o «trancenden-te», como «Liberdade
para o Absoluto» e para o «Horizonte» aberto e virtualmente infinito do «Ser»,
ou o «Englobante» (Umgreifende) de KARL JASPERS; ou ainda para o «Incon-dicionado
de Sentido» e a «Validade Categórica Kantiana» - e, por aí, uma «Liberdade
Espiritual», na qual se insere uma «Liberdade Religiosa» ou «para Deus», como a
«Referência Última».
De todas estas liberdades se pode
concluir serem pressuposto e fundamento de qualquer «Ordem Civilizacional» - e,
hoje, da «Ordem Civilizacional Cosmopolita Global» (ANTHONY GIDDENS) – os
valores mais próprios e íntimos da Pessoa Humana Indivi-dual – e, por isso,
valores pessoalíssimos -, ou sejam: os valores da «Dignidade», da «Auto-nomia»,
da «Liberdade» e da «Responsabilidade».
VIRGÍLIO CARVALHO (Dr.).
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