- O que é
que o Professor Renato Epifânio entende por ‘portugalidade’?
A “portugalidade” é para mim uma
noção a ultrapassar. Valorizando a Língua, a História e a Cultura – o tripé,
passe a expressão, da “portugalidade” –, considero que, no século XXI,
valorizar a Língua, a História e a Cultura passa, sobretudo, por afirmar a
Lusofonia, a meu ver a palavra-chave do nosso futuro. Quanto muito, pode-se
continuar a falar de “portugalidade” no âmbito da Lusofonia, dado que esta é e
será sempre – em termos linguísticos, históricos e culturais – um espaço
heterogéneo, facto que equaciono de forma positiva. Lamento que, ao invés, haja
quem continue a afirmar a “portugalidade” contra a “Lusofonia”, numa perspectiva
mais nacionalista.
- Como
encara o facto de a ‘portugalidade’ ser uma palavra mais empregue pela direita
do que pela esquerda? Havendo registo de um sublinhado em relação à palavra por
parte dos defensores do Estado Novo, nomeadamente grande parte dos
Integralistas Lusitanos (embora António Sardinha, considerado mestre da
‘portugalidade’ nunca tivesse utilizado o termo)?
No século XXI, considero essas
noções – “esquerda” e “direita” – cada vez mais ultrapassadas. Mas, a usá-las,
direi que esse facto é, em grande medida, circunstancial. Poder-se-ia dizer o
mesmo do termo “Pátria” – acrescentando que, durante a I República, a
“esquerda” era tão patriota quanto a “direita”. Depois, por reacção ao Estado
Novo, sobretudo a seguir à Revolução de 1974, a “esquerda” (ou, pelo menos,
parte significativa dela) procurou recalcar esses valores. Ou então
sublimá-los: não por acaso se falou tanto de “patriotismo europeu”. O que, dado
o estado a que chegou a União Europeia, só nos pode fazer hoje sorrir… Em todo
o caso, basta passar a fronteira para perceber a relatividade dessas
“etiquetas”. Na Galiza, por exemplo, aqueles que mais valorizam a Língua, a
História e a Cultura, ou seja, os mais “galeguistas”, são de “esquerda”.
- Pode
afirmar-se que se existe Portugal, há ‘portugalidade’?
Não sou dado a essencialismos –
logo, direi que não. A “portugalidade” foi uma construção histórica de todos
aqueles que, século após século, têm valorizado a nossa singularidade linguística
e cultural. Valorização que, como sabemos, está muito longe de ser extensiva a
todos os portugueses. Há muitos que, ou são indiferentes ao assunto, ou
lamentam ter nascido em Portugal… Digo isto sem recriminações. Considero até
que as pessoas têm o absoluto e inalienável direito de renegarem o país onde
nasceram – e a sua Língua, Cultura e História.
- Manuel
Alegre defende a “vocação humanista e anti-racista como características da
“portugalidade”. A propósito da ‘englishness’, por exemplo, Stuart Hall afirma
tratar-se de “racismo cultural”. Que paralelo se pode estabelecer entre ambas
as perspectivas?
As histórias coloniais europeias
tiveram afinidades mas também tiveram diferenças. E isso é algo que se pode
verificar ainda hoje – a relação, por exemplo, que, em geral, existe entre os
portugueses e os habitantes dos países africanos colonizados por Portugal é
muito diferente da relação que existe entre outros povos ex-colonizadores e
ex-colonizados. Também aqui não vejo nenhum essencialismo – simplesmente, em
geral, os portugueses que partiram para as ex-colónias eram pessoas de baixa
instrução e, até pelo nosso tom de pele mais naturalmente moreno,
relacionaram-se de forma mais dialogante com os povos locais (não por acaso, o
comércio foi e continua a ser uma das áreas de eleição da nossa diáspora). Isto
sem escamotear a violência da colonização – não há colonizações não violentas
–, sobretudo nalguns países, como, por exemplo, em Moçambique (por má
influência do modelo sul-africano).
- O Governo
português adoptou o ‘pin’ com a bandeira portuguesa. Em tempo de troika, em que
estamos dependentes do exterior, apela-se a este tipo de ‘patriotismos’. É isto
uma tentativa de incremento de portugalidade? (isso estende-se a uma série de
eventos a nível nacional, desde a indústria do calçado que aposta na
‘portugalidade’, à lotaria nacional, aos lenços de namorados…)
Não me parece que isso seja muito
significativo. A crise em que estamos é estrutural – decorre, a meu ver, de um
colossal erro geostratégico: termos desprezado os laços com os restantes países
e regiões do espaço lusófono. Isso fragilizou-nos no plano global e, em
particular, no seio da União Europeia, onde estamos cada mais numa posição
subalterna. Direi até que estamos num beco sem saída: não poderemos sair da
União Europeia e, ficando nesta (sobretudo, na zona euro), estaremos cada vez
pior… Não creio que o actual Governo tenha consciência disso – quanto muito,
acredito que eles acreditem que fazem o possível por Portugal (e que, por isso,
podem e devem pôr o pin). Mas, a meu ver, estão fundamentalmente errados. Digo
isto sabendo que não há nenhuma panaceia. Mesmo quando tanto falo do desígnio
estratégico da Convergência Lusófona – pelo reforço gradual dos laços entre os
países e regiões do espaço da lusofonia, no plano cultural, mas também social,
económico e político –, tenho consciência que esse é um caminho que não
resolve, no imediato, os nossos problemas. A não ser, em parte, o do desemprego
– como se está a ver, pela quantidade de portugueses que estão a emigrar para
os países lusófonos, ainda que de forma não devidamente enquadrada pelos
Governos (como deveria acontecer, como, por exemplo, na área do ensino).
- Chegando
ao título da minha tese – “Da ‘portugalidade’ à lusofonia” -, será que a
lusofonia está relacionada com ‘portugalidade’?
[Essa
ligação é feita por alguns deputados da AR, nomeadamente por Cruz Abecassis
(CDS), a propósito da discussão do projecto de resolução n.º 5/VII -
Constituição de uma comissão eventual destinada a promover o projecto de uma
comunidade de países de língua portuguesa (“como berço da democracia, que
compete ser aquele cadilho onde se forja a vontade nacional e que é dela que
mais facilmente se pode passar à comunidade portuguesa uma mesma vontade comum
da construção do nosso futuro e da afirmação da portugalidade no mundo”)].
Julgo que sim, mas por superação. O caminho da
Lusofonia será naturalmente um caminho trans-nacionalista, que, passo a passo,
valoriza mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa. Caminho longo e,
sei-o bem, sinuoso, dada a minha experiência enquanto Presidente do MIL
[Movimento Internacional Lusófono], movimento cultural e cívico que, criado em
2010, conta já com mais de 20 milhares de adesões de todos os países e regiões
do espaço lusófono e que defende o reforço dos laços entre os países e regiões
do espaço lusófono – a todos os níveis: cultural, social, económico e político
–, assim procurando cumprir o sonho de Agostinho da Silva: a criação de uma
verdadeira comunidade lusófona, numa base de liberdade e fraternidade. Mas,
reitero, é o único caminho que melhor garante o nosso futuro histórico – de
Portugal e dos restantes países de língua portuguesa. Timor-Leste é um exemplo
mais óbvio – se não fosse o seu estatuto lusófono, jamais teria conseguido a
independência política, por mais precária que esta ainda seja.
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