A 18 de Janeiro de 2013, publicou
António Pinto Ribeiro (APR), no Suplemento “Ípsilon” (pp. 38-39) do Jornal “Público”,
um texto intitulado “Para acabar de vez com a lusofonia”, que, alegadamente,
tem sido “alimentada pela esquerda mais retrógrada e pela direita mais nacionalista
e nostálgica do império”.
No seu manifesto anti-lusófono,
APR consegue até a proeza de apresentar o Ultimato Inglês de 1890 como um acto
anti-colonialista – quando se tratou, tão-só, da afirmação (vitoriosa) do
colonialismo inglês sobre o colonialismo português –, isto para além de
caricaturar o pensamento de Gilberto Freyre (que, alegadamente, “nunca vira
sinais de tensão no multi-racialismo”) e de diabolizar a colonização
portuguesa, como se a “expressão da barbárie” tivesse sido a sua única face.
Tudo isto para concluir que a
lusofonia é um “logro”, uma “forma torpe de neo-colonialismo”, a “última marca
de um império que já não existe”. Tal virulência “argumentativa” só se destina,
porém, aos portugueses – já que, alegadamente, “os portugueses valorizam-na [a
lusofonia], os africanos rejeitam-na”. Na sua virulência sectária, APR acaba
pois por atirar sobre si próprio, renegando-se como português.
Para o evitar, ainda que correndo
o risco das generalizações, bastaria salvaguardar que “em geral…”. O problema é
que nem sequer isso é verdade. Conforme pode ser confirmado por pessoas que
sabem do que falam quando falam de lusofonia (como, por exemplo, o Embaixador
Lauro Moreira, que trabalhou longos anos na Missão Brasileira da CPLP:
Comunidades dos Países de Língua Portuguesa), esta é cada vez mais valorizada –
não só pelos portugueses, mas também pelos africanos dos países de língua
oficial portuguesa, não esquecendo o Brasil e Timor-Leste.
Timor-Leste, de resto, é,
provavelmente, o país que mais valoriza, para desgosto de APR, a lusofonia. Por
razões óbvias: se Timor-Leste conseguiu resistir à ocupação indonésia, mantendo
a sua autonomia cultural, e, depois, aceder à independência política, foi, em
grande medida, por causa de tão maldita palavra: lusofonia. Não decerto por
acaso, as autoridades timorenses fizeram questão de consagrar o português como língua
oficial do país, e não o inglês, como pretenderam (e pretendem) a Austrália e outros
países anglófonos. A razão é simples: Timor-Leste sabe bem que a lusofonia é a
melhor garantia do seu futuro político.
Bastaria o exemplo timorense para
afirmar a lusofonia como factor de libertação e não de opressão, como pretende
APR. Mas vamos aos PALOPs: Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. Se,
como pretende APR, a língua portuguesa é a memória viva da “violência dos
portugueses sobre os africanos”, por que estranha razão nenhum desses países
renegou a língua portuguesa como língua oficial? – antes, pelo contrário, tudo
têm feito para sedimentar a língua portuguesa em cada um desses países. Será
porque continuam a ser “colonialistas”?? Ou serão apenas mosoquistas???
Decerto, não é porque valorizem a lusofonia – já que, não o esquecemos, por uma
qualquer “excepcionalidade mítica” que nos transcende, “os africanos rejeitam a
lusofonia”.
E passemos ao
Brasil – segundo APR, “Lula da Silva, enquanto Presidente do Brasil, estabeleceu
parcerias económicas Sul-Sul com a maioria dos países subsarianos. Para esta
estratégia, a lusofonia pouco importou”. Para azar de APR, não há muito tempo, o
Embaixador brasileiro Jerónimo Moscardo, na insuspeita Fundação Mário Soares, esclareceu
precisamente que assim não é, na sua conferência “Agostinho da Silva e a
política externa independente do Brasil”. De resto, como APR sabe ou, pelo
menos, deveria saber (mas, estranhamente, não refere), Agostinho da Silva foi, em
Portugal e no Brasil, onde foi assessor do Presidente Jânio Quadros, o grande
prefigurador de uma comunidade de língua portuguesa
.
Temos plena
consciência que há muita gente que, no que concerne à lusofonia, apenas
valoriza a dimensão económica. Mas isso, por si só, não desqualifica a
lusofonia – também, entre nós, houve muita gente a valorizar a Europa por causa
dos famosos “fundos”. Pertinente referência, esta – tanto mais porque APR,
falando do “estilhaço da lusofonia”, não fala uma única vez da Europa, do Euro
ou da União Europeia. Compreende-se bem porquê tão gritante omissão: é
precisamente face ao estilhaço (este sim, real) da União Europeia que cada vez
mais portugueses compreendem que foi um colossal erro estratégico termos,
durante décadas, desprezado os laços com os restantes povos lusófonos. Isso
fragilizou, em muito, a nossa posição no plano global e na própria União
Europeia – onde estamos, cada vez mais, numa posição subalterna.
Face ao
estilhaço (este sim, igualmente real) da globalização, o que acontecerá
naturalmente, por mais que isso desgoste os arautos do pós-modernismo, é que os
países se religarão com base naquilo que de historicamente há de mais sólido:
as afinidades linguístico-culturais. Nessa medida, também para Portugal a
lusofonia é a mais sólida garantia do seu futuro: cultural, económico e
político. Não perceber isto é não perceber nada. A lusofonia não é pois uma
excrescência do passado mais o fundamento maior do nosso futuro. Um fundamento
firme: sem escamotear a violência da colonização portuguesa – não há
colonizações não violentas –, a verdade, que pode ser confirmada todos os dias,
é que a relação que existe entre o povo português e os outros povos lusófonos
não é equiparável à relação que há entre outros povos ex-colonizadores e
ex-colonizados. Não perceber isto é não perceber nada. Mesmo nada.
De uma forma
paternalista (para não dizer neo-colonialista), APR pretende aconselhar os
outros povos lusófonos a renegarem a lusofonia, como se eles não pudessem escolher
qual o melhor caminho para o seu próprio futuro – como até APR já percebeu, a
lusofonia é, cada vez mais, essa escolha. Daí, de resto, o tom virulento do
artigo – se a lusofonia fosse algo assim tão estilhaçado… Apenas num ponto
damos razão a APR: “os portugueses não têm nenhum atributo de excepcionalidade
mítica”. Ou seja, o nosso futuro enquanto país não está garantido. Mas isso,
precisamente, só reforça a importância desse caminho que se cumprirá pela
simples mas suficiente razão de que interessa a todos. Como aconteceu no caso
timorense. Como, apesar de tudo, acontece com a Guiné-Bissau – se esta tem
futuro, é porque há uma Comunidade Lusófona que está disposta a fazer algo
(ainda que, até ao momento, não o suficiente). Como acontece também, enfim, com
Portugal – no beco sem saída da troika,
a Lusofonia é, cada vez mais, o nosso único caminho de futuro. Pena que APR não
o perceba.
Renato Epifânio
Presidente do MIL: Movimento Internacional Lusófono
17 comentários:
já divulgado na aicl (colóquios da lusofonia)
Venho, por este meio, dar os parabéns a Renato Epifânio, pela resposta
oportuna e muito equilibrada dada em relação ao artigo publicado, ou
encomendado, de Pinto Ribeiro. Não é necessário ser-se mesquinho e
míope de ideias, como o foi o articulista, para se dar a justa
resposta.
Bem-haja!
Silveira Sérgio
Este artigo que só agora tomei conhecimento, nem merece comentário, apenas lembrar que Portugal tem estado dominado por portugueses estrangeirados. Esta realidade é uma das causas do seu estado. Razão tinha Fernando Pessoa.
Já agora, sr. Delmar, lembremos que Fernando Pessoa era um estrangeirado - felizmente bilingue e com estudos na África do Sul (antes do Apartheid). A oposição aos estrangeirados é, aliás, uma má causa: a xenofobia e o racismo entram por essa porta, por outra entra o nacionalismo, e ficamos fechados sob uma pequenês autista (ou fascista). Mas o artigo do APR é péssimo e merece ser comentado - condenado, desmascarado, etc. Tentei fazer isso.
Meus parabéns, Renato Epifânio! Portugal não deve virar as costas para a Lusofonia. Neocolonialismo vai muito além do relacionamento entre as nações que falam o mesmo idioma.
Boa Iniciativa, Renato Estefânio!
Também eu protestei e tentei refutar o texto “Para acabar de vez com a lusofonia”, de APR no“Ípsilon”. Nesse sentido escrevi o texto “Lusofonia a Chance de futuro para os Países Lusófonos - Alternativa: ser satélites dos outros ou planetas do próprio sistema” que se encontra na minha página: http://antonio-justo.eu/?p=2423
Caro Amigo
Alexandre Pomar
Como sabe, cada qual tem a sua face sobre a verdade. Quando foco sobre os estrangeirados refiro-me aos que vendem os seus países a outros, aos que os exploram, para eles só interessa é os seus lucros, o dinheiro, a património. Pessoa embora tenha vivido na Àfrica do Sul, contudo sabe perfeitamente que em Mensagem e não só ele defende e bem a cultura lusíada. Agora os que cooperam de outros povos, como sucedeu na época dos descobrimentos, esses deixaram uma obra universalista para bem de todos, começando pela cultura lusíada. SE ler os meus trabalhos, como artigos alguns traduzidos e publicados noutros países verificará que defendo a lusofonia como cultura universalista, jamais imperialista, como defendo a vivência fraterna entre todos os povos do mundo, rumo a novas instituições supranacionais altruístas, livres e libertadoras e não como é a ONU, que encerra em si o FMI. Tenho colaborações numa revista bilingue em russo e português, depois de 25 de Abril, etc. Um abraço com amizade fraterna
Acabar com a Lusofonia! Como? Porquê’
Na verdade há um conjunto de povos em diferentes pontos do planeta que falam esta língua, logo têm também uma identidade lusófona, constituem uma comunidade de falantes do português. O português por seu lado é enriquecido com palavras, escritos, usos e costumes pelo facto de falarmos a mesma língua.
Será que a francofonia não existe?
Com tanto para pensar e transmitir se pensado, perdem-se alguns , com estas pouco congruentes banalidades. Ou será pelo af^/moda que agora grassa em Lisboa de falar inglês! O que somos,?quem somos? Anglofonia????L.
Como é que um jornalista pode escrever "tais coisas"!!!. Tem de aprender a ser sério. Deve olhar par outras sociedades e essas sim podem ser vistas como neo-colonialistas.
Quando antes de escreverem tais anocronismos, vejam o signifciado de lusófono/lusofonia...Será que o luso não é já um misto? Que fizeram os outrso povos antes, durante e depois de Portugal no que concerne à sua expnasão....?Todos os povos se movimentam, colonizaram, etc....O que importa é perceber o contexto em que os facots históricos ocorrem.
M.Manso
Caros amigos,
Estou absolutamente de acordo com a vossa posição. Infelizmente as ideias desse tal sr. António Pinto Ribeiro estão ainda arreigadas numa pseudo-intelectualidade política que raciocina mais em termos de complexos provincianos de periferia europeia, do que é capaz duma análise lúcida sobre a realidade dos interesses geopolíticos e estruturais do país.
Com o apreço.
J. A. Sequeira Carvalho
Bravo. Muito bem Renato
É com o mesmo conceito que apagaram dos Manuais Escolares a História e valores que infelizmente grandes senhores ditos revolucionários tem vindo a fazer do povo "os tolos". Não há paciência
Um abraço
Luisa Timóteo
A Casa Agostinho da Silva tomando conhecimento do abuso anti-comunicativo, este, sim, o que deve ser nomeado de neo-colonialista, em face à imensa comunidade lusófona já presente em todos os quadrantes, indigna-se com a publicação de António Pinto Ribeiro e solicita resposta urgente ao motivo de recharço ao texto do presidente do MIL. Basta de repressões, sobretudo àquelas que dizem respeito ao direito de voz, à liberdade de expressão. Lusofonia é liberdade. É exatamente a presença do novo Tempo renovado que dá vez e força aos que querem transformar o mundo em justiça, fraternidade e equidade.
Lúcia Helena Sá (presidente da Casa Agostinho da Silva)
"Como é que um jornalista pode escrever "tais coisas"!!!" exclama um comentador anónimo... Um dos problemas deste caso é que não se trata de um jornalista, de um qualquer comentador mediático (que têm de chamar a atenção por boas ou más razões), mas de um ensaísta e responsável por um programa duma grande instituição portuguesa dirigido precisamente ao intercâmbio cultural com o espaço afro-americano. A coisa tem maios gravidade do que parece!
António Pinto Ribeiro pode opinar acerca do que muito bem entenda, não pode é ser autor de óbvia fraude intelectual: perora acerca de Gilberto de Mello Freyre, mas não lhe conhece a obra, ou não diria acerca do autor tão simplistas e fabricadas boutades; alarma-se com neo-colonialismos, que não existem senão na sua falsificação de factos e ideias; eleva-se a arauto de não se sabe que África anti-lusófona, quando a lusofonia é cada vez mais de uso comum na terminologia dos políticos africanos, não como resquício do colonialismo, porém como superação do mesmo; e, como se não bastasse, ainda escreve mal, muito mal, num explanar de argumentação intestinal, em que a semântica se cola por analogia e não por raciocínio, ao nível de um aprendiz de alfaiate a quem falta o pano.
Estimado Professor Renato:
Acabo de ler o Público de hoje, página 51. Li a sua reacção ao incrível libelo anti-português de António Pinto Ribeiro. Para além de ficar indignado com as posições que ele assume e dos ataques soezes que dirige aos que pensam de outra maneira, fiquei sobretudo orgulhoso de ser seu amigo e companheiro de ideal e projecto em torno da CPLP. Não está sozinho. Quero transmitir-lhe a minha solidariedade e companheirismo, sabendo que o povo português acredita no futuro, quer construí-lo com aquela realidade cultural e espiritual que a língua portuguesa corporiza e simboliza e não se perturba com os grasnidos de aves infantis e mínimas que renegam o canto natural que aprenderam na sua comunidade, que teve sempre ressonância universal, vocação que obviamente é medular na CPLP.
O meu abraço.
Manuel Ferreira Patrício.
Estou com curiosidade em saber se António Pinto Ribeiro irá ripostar... mas com quê? Se tiver juízo, mantém-se calado... a não ser para reconhecer que estava errado.
de: Uma voz da Alemanha
Se o Sr. António Pinto Ribeiro sofre de problemas intestinos com a sua língua materna, eu também podia agora escrever-lhe in the English language in case he prefers to think in terms of the modern anglophile world imperium; ou então in Deutsch als die erhabene philosophische Sprache der grössten Zivilisationsgenien der Neuzeit; ou então em Français, Español, Chinês, Japonês e aí por diante. Mas vamos ficar pelo Português, que é a música comum para os ouvidos de mais de 230 milhõs de almas no mundo. A propósito da tal "lusofonia" gostaria de ressaltar apenas um aspecto: a unidade linguística que pretendemos implementar entre os 8 países signatários do novo Acordo Ortográfico significa a mais revolucionária demonstração a favor da paz mundial a longo termo nos tempos modernos. Efectivamente, praticamente todos os sangrentos conflitos e matanças animalescas coletivas do passado e do presente em todo o mundo têm origem na energia dos laços sanguíneos (também chamados "amores pelas espiralinhas DNA"). Esta é entretanto uma energia decadente, que se ancora sobretudo nas centenas de diferentes fonias que escravizam milhões de seres humanos a tradições tribais exclusivistas e auto-centradas. Uma implementação internacional da lusofonia significa um passo arrojado, grandioso e único no sentido de proporcionar uma plataforma futura para uma cultura de unidade global, pacificante e humana, erradicante do espírito militarista e do demónio de uma robotização do mundo económico internacional. Claro, tudo coisas a considerar numa escala de tempo bem mais larga do que o imediatismo analítico-intelectualista do Sr. APR, que aparentemente prefere pinceladas fortes para brilhar hoje, já e agora em público.
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