Cada vez mais sinto que já nada
me espanta, mas ainda me consigo espantar com algumas vozes que, na actual
situação, clamam pelo “federalismo europeu”. Falo até de algumas pessoas que,
intelectual e humanamente, considero e estimo. Como é possível que, face à evidência
da desagregação da actual União Europeia, essas vozes falem ainda de
federalismo? Estamos, de facto, perante um delírio, o típico fenómeno da “fuga
em frente”.
Procuro compreender essa atitude,
sobretudo naqueles que, durante toda a vida, apostaram numa via que,
entretanto, se revelou por inteiro quimérica. Talvez não seja humanamente
expectável que agissem de outro modo. Tal como Álvaro Cunhal nunca renegou a
União Soviética, mesmo depois da queda do Muro, também os nossos federalistas domésticos
nunca o farão. Falo, sobretudo, dos mais responsáveis por Portugal ter apostado
tudo na União europeia, voltando as costas ao Mar e a todo o Espaço Lusófono.
Essa gente deve hoje sentir a consciência (se é que a têm) bem pesada. Por sua
responsabilidade, é o próprio futuro de Portugal que está em causa…
Ainda recentemente me lembro de
ter ouvido Mário Soares – um dos maiores responsáveis, senão o maior
responsável, pelo beco sem saída a que chegámos – a dizer que, para o seu ansiado
federalismo, bastava apenas criar um “patriotismo europeu”. Estamos, de facto,
no domínio do puro delírio – como se o “patriotismo” fosse algo que se criasse
de um dia para outro… Isto para não falar da ironia – falemos apenas de ironia
– que é ver aqueles que mais combateram o “patriotismo português e lusófono” a
procurarem agora criar um “patriotismo europeu”.
Para alimentarem o seu delírio,
agitam o fantasma de sempre: a “guerra”. Daí o suposto dilema: “o federalismo
ou a guerra”. É tempo de, também, acabar de vez com esse fantasma. No espaço da
actual União Europeia é completamente impensável uma nova guerra. Por múltiplas
razões, algumas delas nem sequer abonatórias: os povos europeus aburguesaram-se
demais para aceitarem embarcar numa qualquer guerra, mesmo que houvesse razões
para isso. Inclusive em Portugal – a maior parte dos portugueses pensa, ainda
que não o assuma, como o Bernardo Soares: “Nada
me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem
pessoalmente”. Em suma: já não há povos, muito menos “povos em armas”, para
fazer uma guerra.
Sejamos,
pois, realistas, procurando, lucidamente, analisar a situação. Se o federalismo
europeu é impossível, pelo menos à actual escala da União Europeia, isso não
significa que todos esses países não tenham interesses em comum, suficientes
para manter um espaço de cooperação económica. São os interesses comuns e não
as passageiras paixões, muito menos os fulminantes delírios, os melhores
alicerces das alianças. Reconhecendo esses interesses comuns, os países
europeus, naturalmente, manterão esse espaço de cooperação económica. Alguns
deles, os mais próximos, poderão até avançar para uma real integração política.
Mas esta será sempre uma “federação” muito localizada, jamais extensível à
actual União Europeia.
Nunca
chegaremos, de facto, aos Estados Unidos da Europa. Quem continua a falar
disso, aludindo ao exemplo norte-americano, ilude o essencial: nos Estados que
vieram a constituir os Estados Unidos da América havia uma grande homogeneidade
linguística e cultural; mesmo assim, a “federação” fez-se a ferro e fogo. Com
guerra, aí sim. Ora, na Europa, não há, de todo, essa homogeneidade linguística
e cultural. Já para não falar dos diversos interesses geo-estratrégicos – por
isso, desde logo, sempre foi completamente irrealista falar-se de uma política
externa comum europeia. Esta jamais existirá. Os países europeus têm demasiado
passado para poderem ter um futuro unificado a esse ponto. Pretender o
contrário é fazer tábua rasa da história. Por isso, o que se está a passar
agora na União Europeia era, para as vozes mais lúcidas e realistas, por
inteiro expectável.
Infelizmente,
na altura da euforia europeísta, essas vozes foram por inteiro silenciadas ou
ridicularizadas (forma mais moderna da Censura vigente…): eram os “novos velhos
do Restelo”. Mas a história veio-lhes dar razão. Foi um erro, um colossal erro,
Portugal ter apostado tudo na União Europeia, voltando as costas ao Mar e a
todo o Espaço Lusófono. Podíamos e devíamos ter apostado na cooperação à escala
europeia, mas sem abdicarmos dos nossos interesses geo-estratégicos – como, por
exemplo, sempre fez a Grã-Bretanha. Agora, porventura, já será tarde. Pelo
menos, o preço que pagaremos por tal colossal erro será muito elevado. Mas a
história, inclemente como (quase) sempre, julgará quem nos levou a este beco sem
aparente saída. Ocupemos antes o nosso tempo a tentar não deixar esse barco
chamado “Portugal” naufragar de vez…
Renato
Epifânio
Presidente do MIL: Movimento Internacional Lusófono
In Finis
Mundi, Lisboa, nº 5, 2012, pp. 37-38.
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