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MIL: Movimento Internacional Lusófono | Nova Águia


Apoiado por muitas das mais relevantes personalidades da nossa sociedade civil, o MIL é um movimento cultural e cívico registado notarialmente no dia quinze de Outubro de 2010, que conta já com mais de uma centena de milhares de adesões de todos os países e regiões do espaço lusófono. Entre os nossos órgãos, eleitos em Assembleia Geral, inclui-se um Conselho Consultivo, constituído por mais de meia centena de pessoas, representando todo o espaço da lusofonia. Defendemos o reforço dos laços entre os países e regiões do espaço lusófono – a todos os níveis: cultural, social, económico e político –, assim procurando cumprir o sonho de Agostinho da Silva: a criação de uma verdadeira comunidade lusófona, numa base de liberdade e fraternidade.
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NOVA ÁGUIA: REVISTA DE CULTURA PARA O SÉCULO XXI

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"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

Nenhuma direita se salvará se não for de esquerda no social e no económico; o mesmo para a esquerda, se não for de direita no histórico e no metafísico (in Caderno Três, inédito)

A direita me considera como da esquerda; esta como sendo eu inclinado à direita; o centro me tem por inexistente. Devo estar certo (in Cortina 1, inédito)

Agostinho da Silva

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

De Agostinho: sobre "o novo Portugal"


“Ideias sobre Império e Fé”[1]

Um dia, ou pelo trabalho de todas aquelas circunstâncias externas que tantas vezes são consideradas como o motos da história, ou por aquele interno querer que aparece como uma das teorias da dita história – e creio que muito mais por este oculto impulso do que por aquela aparente razão – surgiu, na ponta da Europa, uma nação que ainda não se considera como a mais extraordinária e milagrosa do mundo pelos três seguintes motivos: porque, segundo já observava o Garcia de Resende, se tratou sempre de gente muito mais propensa a agir do que a fazer conto ou reflexão sobre a sua acção; porque sua história é provavelmente a mais complexa e confusa de todas as histórias do mundo; finalmente porque a historiografia tem sido actividade bem exclusiva do grupo verdadeiramente europeu.
Se não houvesse todo esse amontoado de escolhos impedindo rota livre, e se, por outro lado, a mentalidade dominante do mundo não fosse a das causas racionais e a do êxito da prática e da técnica, todos os milagres apontados para outras nações seriam como coisa alguma junto deste milagre português. Efectivamente, para outros grupos, consistiu o milagre em traçarem grandes impérios a partir de coisa alguma, os impérios que morreram todos eles; ou em, como naquele grego, se atingir uma universalidade e uma libertação de contingências que são quase uma revelação da eternidade de Deus, pelo menos naquilo em que Deus é simultaneamente cartesiano e criador do vinho; ou ainda em nos darem aquela técnica consoladora da vida humana que se manifesta na geladeira de nove pés e na filosofia da livraria Alcan.
Mas o núcleo da missão de Portugal foi o mais estranho de todos: coube-lhe a tarefa de indicar ao mundo como se revelará no futuro a eternidade de Deus, de um Deus que a um tempo fantasia e objectiva o mundo. De modo que o trabalho de quem se põe a historiar os portugueses é bem difícil e avesso ao comum da história: porque se trata de fazer, juntando-as, uma história do passado e uma história do futuro; uma história de Deus sendo; uma história de Deus acontecendo e acontecendo fora do tempo. Poderíamos talvez procurar algum exemplo: quando se diz que os portugueses foram católicos se comete um erro; porque nunca foram católicos, como adeptos de uma religião que se fixou no tempo e de um lugar promana quanto às suas directivas; nunca foram católicos de um catolicismo que se vê como oposto a muçulmanos e hebreus; nunca de um catolicismo que admite a coexistência de outras religiões, por uma falsa tolerância. Português foi católico de um catolicismo em que se uniram intimamente, em pensamento e na prática, a caridade cristã, a esperança israelita e a fé dos islamitas; de um catolicismo que, inteiramente sacramental, vê, fora desse campo, os homens como homens; finalmente, de um catolicismo que, fiel a seu nome, só de admitirá realizado quando for todo o mundo católico: isto é, só a Deus servindo, não a poderes da Terra. De um catolicismo que, no passado, só neles houve: mas que será, no futuro, de toda a gente.
O mesmo diríamos da actividade científica. Se tivéssemos que marcar duas linhas de marcha para a ciência tal como o Ocidente a constituiu no mundo, a veríamos endereçada a dois fins ou, pelo menos, como apresentando duas características bem constantes: uma, a de ser aristocrática, e portanto anticristã, porque é o domínio dos homens chamados cultos contra os homens chamados incultos, o domínio dos homens que acham que percebem as coisas inteiramente afastados dos homens que, acham eles ainda, não percebem as coisas. A outra, a de ter como objectivo, não o louvor de Deus, não o espanto perante a complexidade e a harmonia do universo, perante a sua simplicidade e a sua dificuldade, mas o conhecimento das forças universais, para que daí nasça a previsão e da previsão o poder. Fáustico poder, ou diabólico.
Pois ciência portuguesa não foi nem aristocrática nem divorciada da moral; dela não teriam vindo nem orgulhos universitários nem bombas arrasando cidades; foi ciência de marinheiros unidos na comunidade de tripulação de navios; ciência de guarnição de forte cercado por incréus; ciência de bandeirantes unidos na comunidade da febre. Ciência bem única: porque a Esfera de Pedro Nunes tem como parelhas mil páginas da História Trágico-Marítima. Ciência talvez mais única pelo seguinte: porque é uma das facetas da moralidade de um D. João de Castro. Ciência que, como a religião, só deles foi: mas que será do mundo, quando deixarem de pairar sobre nós as fatalidades do génio europeu.
Juntaríamos a tudo o sentido missionário dessa nação, que fez de Portugal, na crença dos melhores dos seus, um povo eleito. Só que um povo eleito não para sobrepor-se aos gentios, não para destruir os gentios, mas para que ingressassem na Fé comum; ir e mostrar-se o que se é, para que os outros sejam como somos. E a mensagem que os portugueses, no meio de todas as contingências históricas e individuais, levaram aos outros povos, foi sempre a de, na vida civil, serem do município e dizerem “não” ao rei; a de, na vida militar, isto é, na de servir, aprender disciplina não na fantasia, mas na prática, o que condenaria, por exemplo, todo o nosso sistema de ensino; a de, na vida religiosa, combinar ascetismo e natureza; imagem e sua ideia, saudades da pequena igreja e construção da Grande. Povo eleito cuja missão se poderia resumir como a de destruir a velha humanidade pecadora, a si mesmo inconcluso; destruindo-a por um meio muito mais seguro que o do dilúvio: o da mestiçagem; o ponto exacto em que se resolve a antinomia de criação e destruição.
Pois quanto a Portugal, a este Portugal, cometeu a Europa o seu maior crime, porque, invadindo-o de vários modos, impediu que se cumprisse logo na sua missão. Não tiveram muita importância nem romanos nem bárbaros porque o mal que puderam fazer foi muito limitado pelas forças de resistência de um povo ainda jovem, e logo varrido pela vaga de renovamento dos povos irmãos da África do Norte. O grave veio depois, com o direito romano que matou os forais; com a Reforma e sua Contra-Reforma, nenhuma das quais tinha que ver coisa nenhuma com a gente peninsular e sobretudo com a gente portuguesa; com Carlos V e a germânica prole; com o capitalismo que principiou a tratar Portugal como uma colónia; com o desastre de se ter confundido liberdade e liberalismo; finalmente, com ambientes de rato de sacristia para um povo cujo templo é o mundo.
O que é certo, porém, é a que a Fé sobrevive à História; o que quer dizer noutras palavras que a vitória final não é a do Diabo mas de Deus; Santa Maria da Vitória existe e contra Ela, como se sabe, não prevalecerão as portas do inferno. Um dia, quem fala português sacudirá [a] Europa, quer no extremo russo quer no extremo americano; e digo propositadamente quem fala português para não confundir com Portugal, porque não me parece que a velha Metrópole, depois de tudo o que se passou, tenha forças para se reerguer e se bater; o novo Portugal vai ser de trópicos e de população miscigenada; Portugal, quando for de novo, será, não uma terra, com uma cor no mapa da península, mas uma ideia, com uma voz em cada fuso horário. A massa de sua gente estará não entre Beira e Mar, mas entre o Acre e Timor e virá do Rio Minho ao arroio Chui.
Tudo depende agora não de Portugal, mas do Brasil. E não estou falando de política, porque aí dependerá dos dois, e de outras vozes que poderão vir de Angola ou poderão vir da Índia e às quais se tem de dar a liberdade e igualdade das antigas cortes. Mas estou falando do que importa: de religião, ciência e comportamento humano. Aí é o Brasil, firmado no seu território, nos milhões de seus homens, na sua posição no mundo, na sua força criadora, que tem de dar a última palavra e trazer ao universo e mensagem de salvação por que ele anseia. O que o Brasil só poderá fazer se virar as costas à Europa e sua falsa cultura e vir seu verdadeiro campo de acção nos irmãos que o esperam pela África e na Ásia: se, firmado em si próprio, for universalista, mas não de zonas temperadas; se tiver a audácia, que é a mais difícil, para nações e para homens, de ser fiel a si próprio; o Brasil será o Portugal que não se realizou, ma medida em que for, realizando-se, Brasil.


[1] In O Estado de S. Paulo, S. Paulo, 14/07/1957.

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