Um grupo de investigadores estrangeiros partiu à procura de Fernando Pessoa e encontrou um espólio de inéditos a ir desde a crítica ao salazarismo à prosa desconhecida de Álvaro de Campos, passando pelas milhares de folhas escritas guardadas religiosamente na Biblioteca Nacional.
Jerónimo Pizarro nasceu na Colômbia e vive hoje em Portugal por causa de Fernando Pessoa. Numa sala da Biblioteca Nacional perante papéis em tom amarelo, escritos a lápis, caneta ou dactilografados rodeado pelo espólio do escritor, o investigador revela-nos que havia afinal mais do que uma arca onde o poeta depositava os seus escritos.
“Há muito muito material, é uma fonte de trabalho o para 40, 50 anos”, diz o professor da Universidade dos Andes, titular da Cátedra de Estudos Portugueses do Instituto Camões na Colômbia.
“É difícil esgotar a riqueza deste espólio. Há em todos os géneros, poesia, prosa…O plano é resgatar e reeditar o capital editorial da Ática, a primeira editora de Fernando Pessoa”, conta Jerónimo Pizarro, que acaba de coordenar com o italiano António Cardiello a publicação do inédito "Prosa de Álvaro de Campos".
“O plano que temos é continuar a publicar o que Pessoa escreveu nos últimos cinco anos de vida. Isso significa dar a conhecer o muito que escreveu sobre esoterismo”, exemplifica.
Mas há mais. “Temos muitos textos de índole política, muito muito crítico da ditadura, do salazarismo, e que temos ainda que conhecer muito melhor os textos sociológicos e políticos de Fernando Pessoa entre 1930 a 1935”.
Depois de já ter contribuído com oito volumes para a melhor compreensão da obra de Fernando Pessoa, Jerónimo Pizarro trabalha agora na edição de novos inéditos.
Jerónimo Pizarro teve a ajuda de outros pessoanos no trabalho de digitalização da biblioteca de Fernando Pessoa. Ao seu lado teve o argentino de ascendência italiana Patricio Ferreno; o italiano António Cardiello e canadiana Pauly Bothe, filha de um pai alemão e uma mãe irlandesa que trocou a vida no México por Portugal, há cinco anos, depois de ter aberto um livro de Fernando Pessoa .
O olhar de Pessoa cegou o italiano António Cardiello, que se cruzou com o poeta através das traduções de António Tabucchi e ganhou um novo amor. Está há oito anos em Portugal.
O espólio é uma espécie de puzzle do qual é preciso juntar as peças, e neste labirinto de criação, Pessoa nem sempre facilitou a vida a quem o estuda, conta Jerónimo Pizarro, que explica que o desafio a quem hoje estuda a obra não se coloca apenas em descobrir qual dos heterónimos está a escrever, mas também em decifrar a letra.
Guardado em mais de uma centena de caixas, o espólio de Fernando Pessoa está desde 2010 digitalizado e acessível, parcialmente, por internet através do site da Biblioteca Nacional.
Hoje esta ferramenta de trabalho facilita a investigação, até porque no imenso espólio há folhas onde há ao mesmo tempo um aforismo de Álvaro de Campos ou um verso do Livro do Desassossego. Percorrer este mundo de Pessoa é um trabalho de detective, já que escrevia em qualquer papel e em três línguas diferentes.
Há seis está Patrício Ferrero, que deu os primeiros passos no português através de Pessoa. Este pessoano diz ser mais fácil aprender uma língua do que entender o mundo de Fernando Pessoa.
Jerónimo, António, Pauly e Patrício juntam-se a outros nomes como o colombiano Jorge Uribe ou o americano Richard Zenith. Estrangeiros que são agora também portugueses por causa de Fernando Pessoa - o autor que não se esgota.
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