Não há mais importante para uma Nação do que a sua independência. Não há mais importante para um povo do que a sua liberdade.
Por isso, o 1º de Dezembro é o mais importante de todos os feriados nacionais. O 1º de Dezembro é o feriado sine quod non, o feriado nacional sem o qual nenhum outro existiria. Se não fosse o dia 1 de Dezembro, estaríamos condenados a comemorar o Dia da Hispanidade como “dia nacional” e em nenhum dia seríamos livres de celebrar Portugal.
Poderíamos festejar a independência e a liberdade com referência a um dos factos relevantes da fundação da nacionalidade no século XII ou com relação a algum dos momentos críticos e dramáticos da crise do interregno no século XIV. Mas desde há século e meio que escolhemos colectivamente celebrá-las com referência à data em que recuperámos a independência pátria, ao fim de sessenta anos de a termos perdido: a Restauração de 1640.
Por isso, o 1º de Dezembro é o mais antigo dos nossos feriados civis e o mais alto dos feriados patrióticos. Consolidou-se como marco pacífico da nossa vivência nacional e do nosso convívio colectivo. Atravessou regimes e mudanças políticas e sociais. Estabeleceu-se como facto do mais alto significado, que não podemos interromper, nem quebrar.
Este marco foi afirmado na linha do Manifesto que, em 1861, um punhado de quarenta patriotas, com Alexandre Herculano à cabeça da lista, lançou à consciência nacional para empreender as primeiras comemorações solenes, a partir da Comissão Central 1.º de Dezembro de 1640, antecessora da Sociedade Histórica da Independência de Portugal. Hoje, poderíamos escrever muitas das palavras por que esses patriotas despertaram o espírito nacional:
«O povo portuguez, seguro da sua existência nacional, e cônscio dos imprescríptiveis direitos em que ella assenta, sem ter esquecido as heróicas acções com que seus antepassados conquistaram e mantiveram a independência da pátria, havia quasi apagado, pelo seu caracter humano e pacifico, a recordação pública de cruentas pelejas, que foram mais um desengano, entre tantos que a história accumula, de que a força e a ambição, por si sós, não lograram no mundo triumphos duradouros.» (…)
«Precisávamos, portanto, expor claramente a opinião unânime do povo portuguez, e assegurar aos homens e aos governos que se interessam no melhor regimento da família européa, que é ânimo e deliberação nossa defender a integridade do território que possuímos, não acceitando aggregações incongruentes com o caracter e tradições nacionais, e que nos empenhamos, quanto cabe em nossas faculdades e nol-o permittem os obstáculos da governação que todos os povos têm encontrado nos aperfeiçoamentos sociaes, por sermos dignos de fazer parceria com as nações civilisadas, tanto pelos nossos feitos passados como pela nossa vida contemporânea.»
No ataque de agora ao 1º de Dezembro, ouve-se comentar, em sussurros cúmplices, que, em tempo de União Europeia, “não fica bem” acentuar a independência nacional e celebrar uma vitória política e militar sobre a vizinha Espanha. Dizemos, sem hesitar, que é exactamente ao contrário.
Nada nos move contra a vizinha Espanha, com que desejamos viver em paz e boa cooperação, como Estados independentes, hoje unidos no mesmo projecto europeu. Basta-nos citar as palavras de Herculano e do Manifesto dos 40, em 1861:
«Portugal, avivando e celebrando com mais solemnidade o anniversário da reconquista da sua Independência em 1640, nem pretende ferir o pundonor da briosa nação hespanhola, nossa amiga e alliada, nem resuscitar os ódios que outr'ora inimisaram os dois povos convisinhos.
Não quer reptál-a. Não leva a mão á espada. Unicamente aponta para o seu direito, e diz á Europa que está decidido a defendêl-o.»
Ao preservarmos e valorizarmos o dia em que celebramos, com Portugal inteiro, a Independência Nacional, aproximamo-nos – não nos afastamos – da esmagadora maioria dos Estados que compõem a União Europeia. Dos vinte e sete Estados-membros, são dezoito aqueles cujo Dia Nacional – o feriado civil mais importante – assinala a respectiva independência ou fundação. Dos nove que restam, ou são monarquias (em que o dia nacional corresponde ao aniversário oficial do Rei ou Rainha), ou trata-se de países que nunca tiveram propriamente “independência nacional”, porque foi outra a História da formação dos respectivos Estados: Espanha, França ou Itália. As excepções são a Irlanda (cujo feriado nacional principal é religioso, o Saint Patrick’s) e a Áustria (que celebra a neutralidade perpétua). Mas, mesmo entre esses nove Estados-membros, feriados há que celebram datas de libertação nacional e, às vezes, em dobro, como é o caso da França, da Itália e da Holanda. Se Portugal abolisse o feriado da independência, tornar-se-ia no único Estado-membro da União Europeia que, tendo conquistado a independência nacional e assinalando-a nos feriados nacionais, os apagaria da memória e do calendário oficiais. Pior seria impossível.
O 1º de Dezembro não é moeda de troca de negociações financeiras ou laborais – para tudo isso, na delicada situação do país, é possível e necessário encontrar melhores alternativas. O 1º de Dezembro é uma escolha patriótica e uma decisão nacional inapagável.
Acabar com o feriado do 1º de Dezembro seria atacar da pior forma a independência nacional de Portugal: seria feri-la no seu próprio espírito. Quando alguns falam de que Portugal caiu numa situação de “protectorado” e o quadro de endividamento diminui a liberdade de decisão de Portugal, não é tempo de apagar o espírito, a vontade e o brio da independência nacional – bem ao contrário, é o tempo de os celebrar, exaltar e fortalecer.
O dia em que assinalamos a nossa independência nacional, a data em que festejamos a nossa liberdade como povo liberto do jugo estrangeiro é o dia mais importante da nossa vida colectiva.
Aqui, não somos de esquerda, nem de direita – somos portugueses. Não somos da República, nem da Monarquia – somos por Portugal. O 1º de Dezembro a todos nos une e reúne. O 1º de Dezembro convoca-nos.
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