Não só de cantigas de amor e louvação vive a musa das ruas. As canções de crítica e protesto, geralmente virulentas, também se fazem presentes. Criticava -se tudo: moça namoradeira, casada safada, políticos incompetentes, figuras esdrúxulas, corrupção, não sobrava nada.
A musa renovou-se, reciclou-se, deixou o conforto do palácio dos reis e foi para as calçadas, os becos, os lupanares, os lugares de má fama; embebedou-se, ”caiu na vida”, como se dizia neste início de século. Teve como pai Gregório de Matos, avô, Bocage, parentes múltiplos, saídos do anonimato das chombregas, perdeu-se e achou-se no seu linguajar ferino. Venceu! Até hoje está aí, espicaçando os malandros.
Comecemos pelo imposto cobrado aos artesãos, no princípio do século:
Sapateiro já não pode
Bater sola sossegado
Se não selar as botinas
Catapuz! Teje multado.
A peste bubônica assustou muita gente:
Os ratos fazem qui, qui
As pulgas pulam daqui
Prá ali, dali praqui, daqui prali
Os gatos fazem miau
Quem inventou a bubônica
Merece morrer a pau.
Os tempos são os mesmos; basta trocar os bichos por mosquito, porco etc...
Esta é filosófica:
Vai o rico para a cova,
O pobre para a carneira;
Mas, ao fim de cinco anos
Ao abrir a salgadeira
Quer do pobre, quer do rico
Só há ossos e caveira!
O versinho genial cai como uma luva nos políticos:
Há no mundo papagaios
Que falam todos os dias
E nunca sofrem desmaios
Comendo grossas maquias.
Estes são de Pernambuco,
Falam muito, são mitrados;
Eu falei, mas, fui maluco
Logo paguei meus pecados.
Nem as ruas escapavam da língua do povo:
Vista Alegre é rua morta
A Formosa é feia e braba
A Rua Direita é torta
A do sabão não se lava...
A Rua Direita devia ter muito fofoqueiro; preste atenção nos versinhos:
Adeus, ó Rua Direita
Ò rua da murmuração
Onde se faz audiência,
Sem juiz, nem escrivão.
Na luta para impor a vacina, Osvaldo Cruz foi à bola da vez:
As pobres mães choravam
Gritando por Jesus;
O culpado disto tudo
É o tal do Osvaldo Cruz!
Versejador pobre tinha que se virar:
Dê-me um tostão pelo verso
Que minha crise é tirana...
Se não tens dinheiro, aceito
Uma penca de banana!
Olha, era melhor que hoje, onde a gente escreve, escreve e só ganha...uma banana!
A musa das ruas pode ser durona, mas, acerta sempre:
Não gosto de vê diploma
Nem tombém de vê ané;
Todo sujeito sacana
É doto ou coroné.
Bem, há muito que escrever, muito o que contar; ainda não falei da missa a metade...
Vou terminar com um versinho que resume tudo:
O autor dessa modinha
É um pobre sem dinheiro
Vou já declarar o nome:
Sou o povo brasileiro.
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