Após o Congresso Internacional do Meio Milénio de Camões, que se realizou no fim-de-semana passado, Felipe de Saavedra, coordenador da Rede Camões na Ásia & África, que organizou o evento, apontou as ligações do poeta à região, afirmando que “Macau está medularmente presente na obra e na vida de Luís de Camões”. Ao Ponto Final, propôs que o poeta seja considerado como um “símbolo e marca registada de Macau”, de forma a estar mais presente no território, e, além disso, sugeriu o estabelecimento de um centro interpretativo e a geminação entre a Gruta de Camões em Macau e a Casa de Camões em Moçambique...
“Não há Macau sem Camões, nem há Camões sem Macau”, afirmou Felipe de Saavedra, coordenador da Rede Camões na Ásia & África, que organizou o Congresso Internacional do Meio Milénio de Camões em Macau, no fim do evento que decorreu no fim-de-semana passado.
Fazendo um balanço da iniciativa, lembrou, em declarações ao Ponto Final, que “Macau está medularmente presente na obra e na vida de Luís de Camões”. O poeta chegou ao território em 1563, “o período mais fecundo do seu labor criativo”. “Foi este pequeno porto luso-chinês que lhe proporcionou a serenidade e o necessário distanciamento das situações procelosas que antes vivera, como as das expedições ao Mar Vermelho no início do seu périplo asiático, ou a da Guerra Luso-Ternatesa na qual ia perdendo a vida, e que estalou precisamente quando Camões foi enviado, possivelmente como punição, para as ilhas indonésias de Maluku, em 1556”, assinalou.
“Aqui em Macau ele veio encontrar não a guerra, mas o amor da bela Dinamene, não a efervescência e as intrigas da corte vicerreinal de Goa, mas um emprego bem remunerado: a provedoria dos defuntos e ausentes”, completou, chamando a atenção para o facto de o poeta ter escrito parte de “Os Lusíadas” na região, bem como sonetos e outras peças literárias.
Sugerida projecção de Camões em Macau
Então, que ideias saíram deste congresso? Saavedra assinalou inicialmente que foi sugerido o estabelecimento de um roteiro de turismo cultural com base numa Rede de Localidades Camonianas a constituir, com pontos principais em Macau, Goa, Ternate e a Ilha de Moçambique.
Por outro lado, apelou-se a que Luís de Camões se transforme num símbolo e numa “marca registada” de Macau, de forma a estar mais visível no espaço público e no turismo e marketing da região. Deste congresso sai também a ideia da geminação entre a Gruta de Camões em Macau e a Casa de Camões em Moçambique. Além disso, foi proposta também a criação de um centro interpretativo sobre Luís de Camões em Macau.
Estabeleceram-se ainda “parcerias muito importantes”, nomeadamente quanto à realização dos próximos congressos em Moçambique e em Goa, que se seguirão aos já realizados em Ternate e em Macau. O evento sugeriu também aos detentores dos direitos a reedição das obras de Luís Gonzaga Gomes e de Graciete Batalha sobre Camões em Macau.
Por fim, Felipe de Saavedra diz que o congresso suscitará a compra de edições antigas das obras de Camões, “algo que a Universidade de Macau, um dos nossos parceiros no Congresso, já iniciou por nossa sugestão, tendo em vista a constituição de uma biblioteca de estudos camonianos na cidade”. Recorde-se que a Universidade de Macau anunciou recentemente a aquisição de uma edição de 1613 de “Os Lusíadas” – esta será a edição mais antiga que existe em Macau. Além disso, a obra conta com comentários e é a primeira a contar com uma biografia de Luís de Camões.
Camões em análise profunda
Aquele que é considerado pela organização como o primeiro congresso mundial sobre os 500 anos de Camões juntou no território 17 congressistas de oito países.
Felipe de Saavedra lembrou que Rafael Custódio Marques, cônsul-geral de Moçambique em Macau, abriu os trabalhos, “destacando que falar de Luís de Camões é, hoje, falar simultaneamente de vários povos, do moçambicano tanto quanto do chinês”. “O universalismo do poeta abarca o imenso espaço geográfico e cultural do Índico e do Oriente”.
Por outro lado, o comandante Rui Pereira, nascido e criado em Moçambique, salientou “o potencial turístico que a ilha tem, com a sua riquíssima herança arquitectónica, hoje património mundial, na qual se destaca a Casa de Camões e a estátua do poeta, que atraem inúmeros visitantes para aquele que foi o primeiro local de contacto dos portugueses com os povos do Índico, e também o lugar onde tem início a narração da viagem de Vasco da Gama em ‘Os Lusíadas'”.
Já Lourenço Rosário “desenhou um triângulo da memória que Camões simboliza, com os seus vértices na China (Macau), na Índia (Goa) e em África (Ilha de Moçambique), configurando o espaço marítimo do imaginário do império português do Oriente, hoje unindo e irmanando estes povos numa herança comum”.
Lurdes Rodrigues ocupou-se da presença de Camões na educação em Moçambique e Danny Susanto, da Universidade da Indonésia, falou sobre as ilhas do Maluku, ou ilhas das especiarias, onde Camões viveu no triénio 1556-58.
José Carlos Canoa centrou a sua apresentação nos trabalhos de Luís Gonzaga Gomes. O maestro Fábio Vianna Peres, que tem pesquisado as possibilidades que os cancioneiros musicais da época de Camões oferecem para a recuperação da componente musical das suas cantigas populares, ofereceu um exemplo dos resultados da sua investigação, finalizando com uma interpretação de uma cantiga de Camões a três vozes.
O tradutor Zhang Weimin, que há mais de 40 anos vem traduzindo a obra de Camões para língua chinesa, partilhou com o auditório alguns exemplos das dificuldades com que se enfrentou nesse labor, e anunciou os trabalhos de que se ocupa presentemente, nomeadamente a tradução das odes de Camões, que também estão em curso de tradução para inglês por Spencer Low, que historiou as versões inglesas da obra de Camões, e em especial das odes.
Felipe de Saavedra apresentou a edição das odes que tem em preparação, referindo a utilidade de paráfrases dos versos de Camões em prosa moderna para auxílio dos tradutores estrangeiros de uma obra “tão fecunda e estimulante como exigente em termos de talento e competências”, diz o próprio.
Telmo Verdelho apresentou ao Congresso alguns factos sobre a língua portuguesa usada por Camões, e sobre o impacto de Camões na língua portuguesa, enquanto Luiza Nóbrega, autora de estudos sobre a semântica em “Os Lusíadas”, salientou a importância do Oriente para o imaginário camoniano, e nomeadamente da personagem Baco.
Por fim, Seabra Pereira reportou-se à poética do desafogo em Camões. Loraine Alberto e Irene Silveira, ambas de Goa, referiram aspectos da tradução de “Os Lusíadas” para concanim pelo tradutor goês já falecido Olivinho Gomes, e o historiador Eduardo Ribeiro reafirmou as provas históricas da presença de Camões em Macau. André Vinagre – Macau in “Ponto Final”
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