Um dos
filmes melhor cotados para estreia do ano de 2014 ilustra bem o tempo presente:
«No Limite do Amanhã» um tenente encontra-se inexplicavelmente encerrado num
sistema temporal cíclico, forçando-o a viver o mesmo combate uma e outra vez, lutando e morrendo de novo, tornando-se, assim, mais hábil a cada batalha. Esperemos que o recurso ao histórico e à
ficção, fontes tão importantes para a nossa compreensão do presente, nos guarde de maiores excessos e
tibiezas. Frederick Hayek, Prémio Nobel da Economia, austríaco, alertou numa
reflexão elaborada a partir de 1938 para algumas tipologias de pensamento e
ação, que podem repetir-se em formas perigosas, especialmente nas latitudes e
longitudes europeias. E as eleições europeias reafirmam, novamente, esse tipo
de alerta, estando hoje
em causa: a inclusão e a coesão social; a
mútua e profícua convivência do pluralismo cultural nas sociedades europeias; a
nova fase da industrialização europeia e consequentemente o desemprego; a
intensificação da vida comunitária e cívica; as
instituições escolas de humanidade; a falência ou impossibilidade de
projetos de vida pessoal para mais de metade da população por falta de
oportunidades.
Por definição, viver em democracia requer uma sociedade pluralista
culturalmente, com várias racionalidades, com alternativas políticas, com
tolerância a diferentes estilos de vida. Este pluralismo cultural constitui uma
das maiores potencialidades de desenvolvimento social - maior potencial
interpretativo, maior empregabilidade, boas práticas cívicas de base e códigos
deontológicos claramente orientadores, e monitorizáveis, nas instituições
públicas e privadas. Não esqueçamos que foi nas aglomerações multiculturais,
com vários tipos de habitantes, viajantes e imigrantes, que se geraram as
grandes civilizações. Acerca das causas de seu declínio os estudos da
Arqueologia, das Ciências Sociais e da História já as explicam, todavia carecem
ainda esses estudos de síntese e categorização. Porém, hoje, cerca de um terço
dos deputados ao Parlamento Europeu são de partidos eurocéticos ou mesmo
anti-UE, explorando os receios e as frustrações dos cidadãos sob o ponto de
vista da identidade e da cultura, mas também considerando o desemprego, o
encurtamento das soberanias, enfim, a coesão social e cultural. Se têm alguma razão no que apontam, perdem-na nos
meios demagógicos, sem a credibilidade programática que utilizaram para se
fazerem eleger.
O ponto de equilíbrio mais interessante e essencial na política
democrática e pluralista é o facto de as minorias não ditarem às maiorias as
suas receitas, assim como as maiorias não esmagarem os estilos de vida
minoritários, sobretudo a liberdade de associação e participação cívica e
política. Numa democracia pluralista há lugar para todas as religiões, para os
vegetarianos e para os que cultivam a tauromaquia, para os utopistas de
esquerda e de direita... Todavia, os receios de que a baixa natalidade e a alta
pressão da imigração venham rápida e significativamente desconfigurar o estilo
de vida e a própria democracia pluralista em alguns países da UE, não são
preocupações recentes: A integração das populações que aportam à UE tem sido
problemática, pela sua afluência desordenada (ainda antes de 2005...) e
falência de programas de inserção em abranger tal magnitude de imigrantes
ilegais, que o sector agrícola europeu vem absorvendo sequiosamente desde 1978.
Digo o ano de 1978 porque foi nesse ano em que li pela primeira vez acerca
deste assunto.
No passado recente, pelo menos desde 2005, a porosidade de algumas
fronteiras tornou-se escandalosa, sem que alguma providência se tomasse, com o
que se poderia traduzir em insegurança e modificação de processos culturais,
aos quais não sou avesso, opondo-me, sim, ao descontrolo, como se veio a verificar.
Acontece que, ainda além do que a paisagem social pouco coesa faz recear
(espontaneamente, pela ordem da Natureza, pois não são necessárias as
xenofobias e os racismos para esses receios se manifestarem...), com o
profundíssimo fosso de desigualdade social e cultural, acresce que apenas
podemos considerar, hipoteticamente, outra das muitas incertezas em fundo numa
política europeia, numa casa comum decisória e decisiva, adequada à sua
dimensão plural e aos seus problemas diversos.
Fica a lição que mais afincadamente teremos de defender a
democracia, tanto de tibiezas como de aventuras e populismos. Entretanto, as
sanções de interferência bancária fora da UE em partidos europeus e outros
movimentos estão bloqueados. Nenhuma instituição financeira concederá crédito a
partidos de extrema direita: Em França, como exemplo, organizações extremistas
de direita foram procurar e conseguiram o seu financiamento eleitoral fora da
UE. Esta situação não pode deixar de ter a aparência de uma ingerência nos
assuntos dos Estados da União Europeia. É preciso, pois, repito, cuidar de
nossa Democracia Liberal e Europeia, sem hegemonias internas, sem ingerências
externas, e sem truques legislativos que a vão a desfazendo, que a vão
lentamente erodindo pela menorização das instituições independentes, os órgãos
de soberania independentes, como os tribunais, por exemplo, em todos os níveis de instância de apelo.
Pensamos que, para convergir, seja necessária ainda mais uma geração à União a
Europeia (30 anos), pois em menos tempo não poderá estabilizar-se num sistema
coerente para todos os Estados envolvidos.
Pedro Furtado Correia
Maria Fernanda de Carvalho
Afonso
Sugestões de leitura:
Depois da Queda. A União
Europeia entre o Reerguer e a Fragmentação. Viriato-Soromenho-Marques
(Lisboa: Temas e Debates/Bertrand Editores, & Círculo de Leitores, 2019).
Why Nations Fail. The
Origins of Power, Prosperity, and Poverty Daron Acemoglu & James
A. Robison (New
York: Crown, 2012) Pode encontrar-se traduzido em português.
Fascism. A Warning,
Madeleine Allbright (London: Collins, 2018). Pode encontrar-se traduzido em
português.
How Democracies Die, Steven
Levitsky & Daniel Ziblatt
The Great Degeneration. How
Institutions Decay and Economies Die. Niall Fergunson
(London:Allen Lane, Penguim Books, 2013).
The Reatreat of Western
Liberalism, Edward Luce (London: Little Brown, 2017).
Destined for War. Can
America and China Escape Thucydide's Trap? Graham Allison (Boston:
Houghton Mifflin Harcourt, 2017) & (London: Scribe 2017).
Power and Prosperity.
Outgrowing Communist and Capitalist Dictatorships, Mancur
Olson, (New York: Basic Books, 2000).
Editorial and Enterview
with Emmanuel Macron, Zanny Minton Beddoes
(editor) “The Economist”, 9 de novembro, 2019, A Continent in peril, pág 6; A
President on a Mission, págs.17-20.
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