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MIL: Movimento Internacional Lusófono | Nova Águia


Apoiado por muitas das mais relevantes personalidades da nossa sociedade civil, o MIL é um movimento cultural e cívico registado notarialmente no dia quinze de Outubro de 2010, que conta já com mais de uma centena de milhares de adesões de todos os países e regiões do espaço lusófono. Entre os nossos órgãos, eleitos em Assembleia Geral, inclui-se um Conselho Consultivo, constituído por mais de meia centena de pessoas, representando todo o espaço da lusofonia. Defendemos o reforço dos laços entre os países e regiões do espaço lusófono – a todos os níveis: cultural, social, económico e político –, assim procurando cumprir o sonho de Agostinho da Silva: a criação de uma verdadeira comunidade lusófona, numa base de liberdade e fraternidade.
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NOVA ÁGUIA: REVISTA DE CULTURA PARA O SÉCULO XXI

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"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

Nenhuma direita se salvará se não for de esquerda no social e no económico; o mesmo para a esquerda, se não for de direita no histórico e no metafísico (in Caderno Três, inédito)

A direita me considera como da esquerda; esta como sendo eu inclinado à direita; o centro me tem por inexistente. Devo estar certo (in Cortina 1, inédito)

Agostinho da Silva

terça-feira, 24 de setembro de 2019

Entre Miguel Torga e Agostinho da Silva: afinidades (in)suspeitas


Para o Carlos Carranca (1957-2019)

Num primeiro olhar, Miguel Torga e Agostinho da Silva parecem ter tido pouco em comum, apesar de algumas afinidades nos percursos biográficos: nasceram com apenas um ano de diferença (Agostinho da Silva em 1906, Miguel Torga em 1907; curiosamente, também viriam a falecer com um ano de diferença: Agostinho da Silva em 1994, Miguel Torga no ano seguinte); foram ambos transmontanos (Miguel Torga porque aí nasceu, em São Martinho da Anta; Agostinho da Silva porque, apesar de ter nascido no Porto, sempre considerou Barca d’Alva como a “sua terra”, dado que aí passou parte da sua infância); finalmente, viveram ambos no Brasil (Miguel Torga mais cedo, entre 1920 e 1925; Agostinho da Silva bem mais tarde, entre 1944 e 1969).
Se os dois foram ambos homens do “Portugal do Norte” ou do “primeiro Portugal”, Miguel Torga, à luz da caracterização agostiniana, foi-o muito mais do que Agostinho da Silva – como o próprio escreveu, na sua obra Um Fernando Pessoa: “O primeiro Portugal foi o Portugal continental, o da defesa contra a Espanha, ou melhor, contra Castela, e, porventura, sobretudo, o Portugal da velha unidade galaico-portuguesa, o Portugal lírico e guerreiro das cantigas de amigo e das velhas trovas do cancioneiro popular; nele estiveram as raízes mais profundas da nacionalidade e nele sempre residiram as inabaláveis bases daquele religioso amor da liberdade que caracteriza Portugal como grei política (…).”; “Terminada, porém, a fase de expansão, outro Portugal entrou em jogo e muito mais adaptado à sua tarefa do que o Portugal do Norte, demasiado rígido para as aventuras da miscigenação, da tessitura económica e do nomadismo que não conhece limites (…).”[1].
Em suma: enquanto que Miguel Torga esteve sempre muito mais ligado à terra, à “sua terra” – não por acaso, o termo “telúrico” é abundantemente usado para qualificar a sua obra, em particular a sua poesia –, Agostinho da Silva, apesar das sua origens nortenhas, foi muito mais um homem marítimo, muito mais vocacionado “para as aventuras da miscigenação e do nomadismo que não conhece limites”, assumindo-se assim como um precursor desse “terceiro Portugal” de que nos fala ainda na sua Um Fernando Pessoa: “[Finalmente, o terceiro Portugal] É um Portugal que não tem seu centro em parte alguma e cuja periferia será marcada pela expansão de sua língua e da sua cultura de Pax in excelsis que ela levar consigo (…): [é] o Portugal da Hora, o Portugal de Bandarra, de Vieira e da Mensagem (…).”[2], conforme o já aprofundado na nossa obra Visões de Agostinho da Silva (Zéfiro, 2006).
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Dito isto, Miguel Torga e Agostinho da Silva assumiram os dois, na fase final das suas vidas, preocupações muito convergentes com a situação e o futuro de Portugal. Comecemos por Miguel Torga, citando um eloquente excerto de uma carta a Mário Soares (de quem, curiosamente, Agostinho da Silva também foi próximo, tendo chegado a ser seu “explicador”, na década de 30, contratado pelo seu pai, João Soares): “(…) é pena que o seu medular optimismo doire sempre as conclusões de cada arrazoado. Refiro-me concretamente às idílicas considerações com que remata todas as referências à Europa. Eu também sou, e com desvanecimento, europeu. Mas disse um dia destes a um jornalista do Le Monde que só o era com significação se continuasse a ser plenamente português. Desculpe lembrar-lhe esta nossa velha divergência, infelizmente irremediável, que só trago à colação por descargo de consciência. Não há, nem haverá num futuro previsível, outra Europa senão esta malfadada do capitalismo insaciável e tentacular.”[3].
Citemos agora algumas passagens do seu Diário (ano de 1993): “2 de Janeiro: “Ocupados sem resistência e sem dor. Anestesiados previamente pelos invasores e seus cúmplices, somos agora oficialmente europeus de primeira, espanhóis de segunda e portugueses de terceira.”; “6 de Fevereiro: Até esta desgraça agora nos acontece! As nossas relações fraternas com o Brasil comprometidas por leviandade governativa e imperativo comunitário. Quem contratou a submissão nacional às ordens de Bruxelas esqueceu-se de especificar que a carta de Pêro Vaz de Caminha de quinhentos é um juramento português de amor e fidelidade eternos à Terra de Santa Cruz e à sua gente.”; “20 de Fevereiro: Angola continua a ferro e fogo. Os dois tribalismos, o oficial e o rebelde, combatem-se numa luta de morte. Não realizámos ali, infelizmente, o milagre brasileiro da fraternidade racial e nacional. Deixámos as populações na primitiva decência da selva, à mercê da avidez e rivalidade das grandes potências, sem pátria, sem civismo e sem amor aos irmãos de raça e de berço.”.
E o que nos disse Agostinho da Silva, também por essa altura? Ouçamo-lo: “A Comunidade Económica Europeia encon­tra-se, continuamente, em desacordo consigo própria pois trata-se de pequenas nações provincianas a tentarem agregar-se numa Nação grande. Nós, que fizemos o Brasil, sabemos o que isso é há muito tempo, há centenas de anos. Além do mais a CEE não é a Europa, como se costuma erradamente dizer, mas apenas o departamento económico da Europa. Qualquer departamento económico deve ser, sempre, secundário porque o que devemos ter é uma Europa cultural onde a economia seja o sus­tento mas nunca o objectivo.”[4]; “Os portugueses levaram a Europa ao Mundo mas, agora, todos aqueles que falam a língua portuguesa, têm o dever de trazer o Mundo à Europa. E espero que tragam esse Mundo tão diferente da Europa, que não deseja aniquilar a Europa como muita gente supõe mas, isso sim, humanizar essa mesma Europa, restituir-lhe aquela força interior e aquela capacidade de imaginação por ela perdida por só imaginar num determinado sentido, por se restringir a um certo campo (…), vamos ser médicos e enfermeiros da Europa ou não seremos nada.”[5].
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Tudo isso, no caso mais evidente de Agostinho da Silva, em prol do recentramento (marítimo, atlântico, lusófono, diríamos nós hoje) de Portugal, ou, mais, concretamente, em prol da consolidação de uma “comunidade luso-afro-brasileira, com o centro de coordenação em África, de maneira que não fosse uma renovação do imperialismo português, nem um começo do imperialismo brasileiro. O foco cen­tral poderia ser em Angola, no planalto, deixando Luanda à borda do mar e subir, tal como se fizera no Brasil em que se deixou a terra baixa e se foi estabelecer a nova capital num planalto com mil metros de altitude. Fizessem a mesma coisa em Ango­la, e essa nova cidade entraria em correspondência com Brasília e com Lisboa para se começar a formar uma comunidade luso-afro-brasileira”[6]. Num texto publicado no jornal brasileiro O Estado de São Paulo, com a data de 27 de Outubro de 1957, Agostinho da Silva havia já proposto “uma Confederação dos povos de língua portuguesa”. Num texto posterior (“Proposição”, 1974), expressamente citado no prólogo da Declaração de Princípios e Objectivos do MIL: Movimento Internacional Lusófono, chegará a falar de um mesmo povo, de um “Povo não realizado que actualmente habita Portugal, a Guiné, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, o Brasil, Angola, Moçambique, Macau, Timor, e vive, como emigrante ou exilado, da Rússia ao Chile, do Canadá à Austrália”.

Na sua perspectiva, assim se cumpriria essa Comunidade Lusófona, a futura “Pátria de todos nós”: “Do rectângulo da Europa passámos para algo totalmente diferente. Agora, Portugal é todo o território de língua portuguesa. Os brasileiros pode­rão chamar-lhe Brasil e os moçambicanos poderão chamar-lhe Moçambique. É uma Pátria estendida a todos os homens, aquilo que Fernando Pessoa julgou ser a sua Pátria: a língua portuguesa. Agora, é essa a Pátria de todos nós.”[7]. Conforme afirmou ainda: “Fernando Pessoa dizia ´a minha Pátria é a língua portuguesa’. Um dia seremos todos — portugueses, brasileiros, angolanos, moçambicanos, guineenses e todos os mais — a dizer que a nossa Pátria é a língua portuguesa.”[8]. Daí ainda o ter-se referido ao que “no tempo e no espaço, podemos chamar a área de Cultura Portuguesa, a pátria ecuménica da nossa língua”[9], daí, enfim, o ter falado de uma “placa linguística de povos de língua portuguesa — semelhante às placas que constituem o pla­neta e que jogam entre si”[10], base da criação de uma “comunidade” que expressamente antecipou: “Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa, política essa que tem uma vertente cultural e uma outra, muito importante, económica”[11]. Prefigurando até, com esse horizonte em vista, o “sacrifício de Portugal como Nação”: “esse Império, que só poderá surgir quando Portugal, sacrificando-se como Nação, ape­nas for um dos elementos de uma comunidade de língua portuguesa”[12].




[1] Um Fernando Pessoa, in Ensaios sobre Cultura e Literatura Portuguesa e Brasileira, Lisboa, Âncora, 2000, vol. I, pp. 95-96.
[2] Ibid., p. 96.
[3] In Clara Rocha, Fotobiografia, Lisboa, D. Quixote, 2000, p. 180.
[4] Conversas com Agostinho da Silva, entrevista de Victor Mendanha, Lisboa, Pergaminho, 1994, p. 60.
[5] Ibidem, pp. 57-58.
[6] Vida Conversável, Lisboa, Assírio & Alvim, 1994, pp. 156-157.
[7] Conversas com Agostinho da Silva, ed. cit., pp. 30-31.
[8] In Dispersos, Lisboa, ICALP, 1989, p. 122.
[9] Cf. “Presença de Portugal”, in Ensaios sobre Cultura e Literatura Portuguesa e Brasileira, ed. cit., p. 139.
[10] In Dispersos, ed. cit., p. 171.
[11] Ibidem.
[12] Cf. Um Fernando Pessoa, ed. cit., p. 117.

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