Aparentemente, nada mudou, no
Brasil. Nos aeroportos, nas ruas, tudo parece estar como sempre. Não há
qualquer “Estado Policial”, como alguns (ao longe) fantasmaticamente sugerem,
nem sequer se vêem mais polícias nas ruas.
Nas conversas que vão para
além do estado do tempo, percebe-se, porém, um clima peculiar, de extrema
polarização – no Brasil em brasa de hoje, parece só haver, à partida, dois
campos: o dos anti-comunistas e o dos anti-fascistas. Os primeiros acusam os segundos
de quererem transformar o Brasil na Vanezuela de Maduro. Os segundos acusam os
primeiros de quererem transformar o Brasil no Chile de Pinochet.
Entre estes dois pólos, parece
haver apenas um deserto, um grande sertão, que foi, de resto, alimentado pelos
dois extremos: Jair Bolsonaro foi eleito como a única verdadeira alternativa ao
PT (Partidos dos Trabalhadores). O PT insistiu num candidato próprio (Fernando
Haddad) para, claramente, afirmar a sua hegemonia sobre toda a oposição.
Este é um jogo já mil e umas
vezes visto: durante o Estado Novo, Salazar era “a única alternativa ao
comunismo” e o comunismo “a única alternativa ao Estado Novo”. Não que haja
aqui algum paralelo. Não cremos de todo que na América Latina regressem as
Ditaduras Militares, mesmo que Bolsonaro venha a sair e a ser substituído pelo
seu Vice-Presidente, Hamilton Mourão, conforme o que muitos prefiguram: uns por
desiderato, outros por resignação.
Não sabemos o que irá
acontecer. Sabemos apenas que este clima de extrema polarização não indicia
nada de bom. Não há país que não tenha várias tendências políticas, sendo que
qualquer país avançará tanto mais quanto mais houver um diálogo entre essas
várias tendências, por mais contrastantes que sejam. Infelizmente, no Brasil em
brasa de hoje, não parece haver esse espaço de diálogo: parece ser tudo a preto
e branco, qual samba maniqueísta, em que só há bons (apenas num lado) e maus
(apenas no outro).
No regresso a Portugal, no
aeroporto do Rio de Janeiro, vindos de Juiz de Fora, a cidade onde Bolsonaro
foi esfaqueado na campanha eleitoral (o que terá sido decisivo para a sua
eleição), lemos um livro sobre Martin Heidegger, que viveu também, na sua
Alemanha natal, um dilema (ainda mais) absoluto: o comunismo ou o nazismo. Como
se sabe, Heidegger escolheu o nazismo e ainda hoje, já muitos anos após a sua
morte, a sua obra (provavelmente a obra filosófica mais importante do século XX
na Europa) ficou refém dessa escolha, por mais que a obra sobreviva ao autor…
Ouvimos a chamada para o nosso voo. Fechamos o livro, olhamos para a janela e cantarolamos
apenas: “O Rio de Janeiro continua lindo…”.
Renato Epifânio
Presidente
do MIL: Movimento Internacional Lusófono
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