Ainda não se sabe de todo como
o processo de saída britânica da União Europeia se irá concretizar (se é que se
irá mesmo concretizar), mas já se podem extrair algumas lições a partir da
forma (negativa) como o processo se tem (des)enrolado:
I – Podendo (e devendo, a
nosso ver) este tipo de decisões ser ratificada em referendo, uma decisão como
esta deve ser ratificada por uma maioria qualificada (dois terços ou, no
mínimo, cinquenta e cinco por certo). De outro modo, ao primeiro obstáculo,
essa ratificação tende a ser posta em causa. Uma decisão como a saída britânica
da União Europeia (ou, por exemplo, a saída catalã de Espanha) não pode jamais
sustentar-se numa maioria tangencial.
II – Se os britânicos queriam
mesmo respeitar a maioria tangencial que se pronunciou a favor do Brexit, então a liderança política não
deveria ter sido entregue a quem votou contra (Theresa May). No jogo de sombras
que se criou após o referendo, temos tido um Governo pró-Brexit liderado por quem votou contra e a oposição anti-Brexit liderada por quem foi contra a
entrada da Grã-Bretanha na União Europeia (Jeremy Corbin).
III – Em política, tão ou mais
importante do que a racionalidade táctica, importa a convicção estratégica. Se
têm um Governo pró-Brexit liderado
por quem votou contra, como poderiam esperar os britânicos um Governo realmente
convicto do melhor caminho a trilhar? É certo que, por vezes, mesmo na
política, acontecem “milagres” ou “golpes de sorte”, mas era mais do que
previsível o impasse a que chegámos. Para mais, a União Europeia por uma vez
mostrou-se realmente unida em dificultar a vida à Grã-Bretanha, decerto para
que o exemplo britânico não servisse de inspiração a nenhum outro país.
IV – Dito isto, se havia país
da União Europeia que poderia aspirar a sobreviver (sem danos maiores) a uma
saída era, à partida, a Grã-Bretanha. Para isso, porém, precisava de reatar os
laços que tinha à escala global na época do Império Britânico (obviamente, não
já numa lógica imperial). Esse caminho nunca foi, contudo, sequer tentado de
forma realmente coerente e consequente. Mesmo a “relação especial” com os
Estados Unidos da América continua a ser, em grande medida, uma relação
retórica.
V – Perante tudo isto, quem em
Portugal teve a tentação de seguir o exemplo britânico deve mesmo (re)pensar
nas consequências. É certo que Portugal pode (e deve, a nosso ver) reforçar
muito mais os laços com os países (e regiões) do espaço lusófono à escala
global – a todos os níveis: cultural, social, económico e até político –,
despertando de vez a CPLP: Comunidade dos Países de Língua Portugal da sua
substancial letargia. Mas isso deve fazer-se numa lógica de complementaridade,
não, de todo, numa lógica de contradição. Hoje como sempre, o que importa é
compatibilizar da melhor forma a nossa condição europeia com a nossa dimensão
lusófona. O que está ainda muito longe de acontecer.
Renato Epifânio
Presidente do MIL: Movimento
Internacional Lusófono
www.movimentolusofono.org
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