O português é uma língua
românica flexional,
que teve origem no galaico-português falado no Reino da Galiza e no norte de
Portugal. Reconhecida com foros de legitimidade desde a assinatura do Tratado
de Alcanizes, entre Dom Fernando IV, Rei de Leão e Castela, e Dom Dinis, Rei de
Portugal, no dia 12 de setembro de 1297, esta língua se expandiu com os
navegadores portugueses, a partir da conquista de Ceuta, em 1415. Ela se tornou
num poderoso elemento norteador de cultura em África, na Ásia, no Brasil e em
outras partes do mundo. A língua portuguesa é, atualmente, um dos idiomas
oficiais dos Países Lusófonos, da União Europeia, do Mercosul, da União de
Nações Sul-Americanas, da Organização dos Estados Americanos e da União
Africana. Contando com aproximadamente 300 milhões de falantes, o português é a
quinta língua mais falada no mundo.
Em
17 de maio de 2007, Dom José Saraiva Martins, o Prefeito da Congregação para as
Causas dos Santos, publicou o documento Sanctorum Mater, relativo à instrução para a realização
dos inquéritos diocesanos ou das eparquias nas Causas dos Santos. Nele, em seu
artigo 127, lemos: “As línguas admitidas na
Congregação para o estudo das causas são: latim, francês, inglês, italiano,
português e espanhol”.
Em fevereiro de 2015, à saída de uma reunião de trabalho que juntou 164
cardeais e futuros cardeais com o Papa Francisco, Dom Manuel Clemente, o Presidente
da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), reconheceu a importância da
valorização do português pelo Vaticano. Naquela ocasião, após ter salientado a
relevância da língua portuguesa no âmbito dos trabalhos levados a cabo pelos Cardeais
de Angola, Brasil, Cabo Verde, Moçambique e Portugal, – os países lusófonos
representados no Colégio Cardinalício –, Dom Manuel Clemente enfatizou o fato
de que, “quando
falamos em português, há muitas coisas que vêm ao de cima e que têm a ver com o
nosso património comum”. Contudo, no passado mês de março a Congregação para as
Causas dos Santos comunicou a decisão de abandonar, no contexto de suas
atividades, o português como língua de trabalho. O motivo agora adiantado para
esta decisão tem que ver com as “dificuldades no domínio da
língua portuguesa por parte de alguns membros do Dicastério”. Aconselhando que a redação das
sínteses dos processos dos futuros beatos e santos seja feita unicamente em
espanhol, inglês, francês e latim, a Cúria Romana sublinha, ainda, que Portugal
“tem apenas 20 dioceses, muito
menos do que no Brasil”.
Dom
Manuel Clemente reagiu à proposta da Congregação para as Causas dos Santos. No
dia 14 de março, em Lisboa, à margem da conferência internacional O Julgamento de Jesus, proferida pelo
Prof. Dr. Joseph Weiler na Fundação Calouste Gulbenkian, o Cardeal português
salientou que, “na
Europa, somos apenas dez milhões, mas tendo em atenção a realidade católica na
América Latina e em África, o português tem uma outra utilização”. Considerando a língua portuguesa,
falada por 160 milhões de católicos no mundo, Dom Manuel Clemente reiterou
ainda o desejo de que “haja
uma outra consideração pela língua portuguesa na vida internacional, num futuro
tão próximo quanto o possamos apressar”. O Padre Manuel Joaquim Gomes Barbosa,
Secretário da CEP, adiantou à agência de notícias Ecclesia que a estratégia a
adotar pelo Episcopado lusitano para manter o idioma português naquela
Congregação passa por “um
modo de proceder quanto à defesa da continuidade do uso da língua portuguesa,
concretamente na Congregação para as Causas dos Santos”, em “coordenação
e sintonia”
com as Conferências Episcopais dos países lusófonos, “em
particular o Brasil”.
Em
tom idêntico ao assumido pelo Vaticano, o governo brasileiro acaba de elaborar uma
proposta desvalorizadora da cultura de matriz portuguesa. Apesar da adoção do
Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa[1],
em 2012, este ano, as autoridades de Brasília, por intermédio do Ministério da
Educação, através da nova Base Nacional Curricular Comum, a ser adotada a
partir do mês de junho, prevê a eliminação da obrigatoriedade do estudo da
literatura portuguesa nas escolas brasileiras. Deste modo, “autores como Luís Vaz de Camões,
Gil Vicente, Fernando Pessoa, Eça de Queiroz, Camilo Castelo Branco, Almeida
Garrett ou José Saramago deixam de ser obrigatórios” nas escolas do país sul-americano.
Renato Epifânio, Presidente do Movimento Internacional Lusófono (MIL), em artigo publicado em vários
jornais portugueses – nomeadamente O
Diabo, de 12 de abril deste ano –, em face dos problemas existentes em Moçambique[2], Angola[3] e no seio da própria
CPLP[4], considera que,
em 2016, “os ventos continuam a não soprar de feição no espaço lusófono”[5]. Por outro lado, aquele professor
universitário português, ao refletir sobre
o legado histórico da presença portuguesa no mundo, expressou sua
indignação, inquirindo: “Mal ou bem, se a Igreja Católica se projetou
globalmente, isso deveu-se desde logo à expansão marítima de Portugal. Como é,
pois, possível tamanha injustiça histórica? Caso para perguntar: até tu, Francisco?”[6].
De acordo com o estudo de
Francisco Mendes Palma, intitulado A
Economia Portuguesa e a Lusofonia[7],
publicado pelo BES Research em 2012, a língua portuguesa vale 4,6% do PIB
mundial. No entanto, cabe referir que seu capital simbólico é
muito maior do que o percentual acabado de indicar. Em estrito sentido
católico, o conjunto dos santos e beatos, quer portugueses[8], quer brasileiros[9], a existência de um Papa, João XXI, e a ampla obra
teológico-mística de um conjunto notável de autores em que se destacam Santo
António de Lisboa, Dom Frei Álvaro Pais, o Padre Teodoro de Almeida, Dom Manuel
do Cenáculo Vilas-Boas bem como, mais recentemente, Frei Bernardo Vasconcelos,
são a prova de que, desde sempre, a cultura de expressão portuguesa esteve presente
na construção do catolicismo e na sua dilatação muito para além do continente
europeu. Entrementes, numa “diatribe” do Papa Francisco, ele, em junho de 2015,
pouco tempo após ter sido eleito Vigário de Cristo, antes de uma audiência
concedida a José Manuel Durão Barroso, então Presidente da Comissão Europeia,
declarou que “na minha
terra diz-se que o português é um espanhol mal falado”. Em
contrapartida a esta atitude excludente, cabe recordar que, inclusive um
espanholista convicto, como foi o filósofo Miguel de Unamuno, profundo
conhecedor do
lirismo inerente à língua portuguesa afirmou, de maneira enfática,
que “Cervantes chamava ao idioma
português um castelhano sem ossos”[10]. Atualmente, a
Lusofonia, esse “amplo
e profundo espaço ibérico e ibero-americano, para as inteligências e os
interesses, com ponto focal em Santiago de Compostela”[11] merece, da Cúria Romana, não a
afirmação dos aspectos light da vida,
tão em moda hoje em dia, um pouco em quase todas as instituições mas, em
contrapartida, uma atitude caracterizada pela prudência[12] em relação a povos e culturas
marcados, ao longo da História, por um ecumenismo integrador das diferenças
individuais e coletivas.
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Imagem
O Papa João XXI [Petrus Hispanus Lusitanus, ou Pedro
Julião] viveu entre cerca de 1210/1215 e 1277. Médico, filósofo e lógico,
ele serviu como Sumo Pontífice entre 8 de setembro de 1276 e 20 de maio de
1277.
Na foto apresentamos uma xilogravura da
obra de Petrus Hispanus, Thesaurus
Pauperum, originalmente publicada cerca de 1272.
(Fonte):
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Fontes consultadas:
[1] Ver:
Diário da República, Lisboa, 1.ª série, n.º 17, 25 de
janeiro de 2011, págs. 488-489.
Disponível online:
[2] Ver:
“Em Moçambique, o fantasma da guerra
civil e da cisão ameaça ser de novo bem real. Também aí, é a nossa língua comum
uma das poucas razões, senão mesmo a única razão, para continuarmos a acreditar
que, apesar de todos os ventos em contrário, Moçambique manterá a sua unidade
nacional.”, RENATO EPIFÂNIO, “Até Tu, Francisco?”, O Diabo, Lisboa, 12 de abril de 2016.
[3] Ver:
“Em Angola, se o fantasma da guerra
civil e da cisão parece enterrado de vez, o panorama não é muito melhor. Para
além da crise económica, precipitada pela descida abrupta do preço de petróleo,
há a percepção cada vez maior de não haver ainda um verdadeiro Estado de
Direito. Seja qual for o ponto de vista sobre o regime angolano, não há forma
de aceitar a recente condenação de Luaty Beirão e dos seus companheiros. Passe
o eufemismo jurídico, as penas foram absolutamente desproporcionadas face às
acusações.”, Ibidem.
[4] Ver:
“A crise institucional que se viveu
recentemente na CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa) até parece
uma questão menor. Apesar da solução diplomática – contra a vontade de alguns
países, Portugal irá mesmo assumir, como era seu direito, o
secretariado-executivo da CPLP, ainda que partilhando o mandato com São Tomé e
Príncipe –, esta foi mais uma prova inequívoca de que, vinte anos após a sua
criação, a CPLP ainda não atingiu a sua maioridade institucional.”, Ibidem.
[5] Ver:
Ibidem.
[6] Ver:
Ibidem.
[7] Ver:
FRANCISCO
MENDES PALMA, A Economia Portuguesa e a
Lusofonia, s. l., Banco Espírito Santo – Espírito Santo Research – Research
Sectorial, fevereiro de 2012, 16 págs.
Disponível online:
[8] Ver:
a) Santos:
São Teotónio; Santo António de Lisboa; os Mártires de
Marrocos (Vital, Berardo, Otão, Pedro, Acúrsio e Adjuto); São Gualter;
Rainha Santa Isabel; São Nuno de Santa Maria Álvares Pereira; Santa Beatriz da
Silva; São João de Deus; São Gonçalo; São Lourenço de Brindisi; São João de
Brito.
b) Beatos:
Beata Sancha de Portugal; Beata Mafalda de Portugal e
Beata Teresa de Portugal; Beato Frei Gil; Beato Amadeu da Silva; Beato Gonçalo
de Amarante; Beato Gonçalo de Lagos; Beato Fernando, o Infante Santo; Beata
Joana Princesa; Beato Vicente de Santo António; Beato João Baptista Machado;
Beato Frei Bartolomeu dos Mártires; Beato Inácio de Azevedo e os
Quarenta Mártires do Brasil; Beato Miguel de Carvalho; Beatos Domingos Jorge,
Isabel Fernandes e Inácio Jorge; Beato Diogo de Carvalho; Beata Maria do
Divino Coração Droste zu Vischering; Beata Rita Amada de Jesus; Beata
Alexandrina Maria da Costa; Beatos Francisco Marto e Jacinta Marto;
Beata Beata Maria Clara do Menino Jesus; Beato Francisco Pacheco.
[9] Ver:
a) Santos:
São Roque González de Santa Cruz, Santo Afonso Rodrigues e
São João de Castilho; Santa Paulina do Coração Agonizante de Jesus; Santo
Antônio de Sant’Ana Galvão; São José de Anchieta.
Beato Inácio de Azevedo e 39 companheiros mártires
(Quarenta Mártires do Brasil); Beatos André de Soreval, Ambrósio Francisco Ferro
e 28 companheiros (Mártires de Cunhaú e Uruaçu); Beato Eustáquio van
Lieshout; Beato Mariano de la Mata Aparício; Beata Albertina Berkenbrock; Beato
Manuel Gómez González e Beato
Adílio Daronch; Beata Lindalva Justo de Oliveira; Beata Bárbara Maix; Beata
Dulce dos Pobres; Beata Francisca de Paula de Jesus (Nhá Chica); Beata Assunta
Marchetti; Beato Francisco de Paula Victor.
[10] Ver:
ANON, “A Conferência de D. Miguel [de] Unamuno”, Gazeta
da Figueira,
Figueira da Foz, Ano XXIII, n.º 2.332, 26 de agosto de 1914, pág. 2.
[11] Ver:
VAMIREH CHACON, A Grande Ibéria. Convergências e Divergências de Uma Tendência, São
Paulo, Editora UNESP, 2005, pág. 354.
[12] Ver:
ARISTÓTELES, Eth. Nic., 1140a1-1140a25.
1 comentário:
Mal lhe vai ao catolicismo, se tirar a língua que fez mas pela sua extensão mundial do seu dicastério.
Aguardará o vaticano que a crise que vive o catolicismo não tenha paragem, e que nas terras lusófonas acabe vigorando o simplismo fundamentalista evangélico.
Deus nos livre dum Brasil evangélico
http://www.ricardogondim.com.br/meditacoes/deus-nos-livre-de-um-brasil-evangelico/
a bancada evangélica -o ovo da serpe do fascismo no Brasil-
http://www.nossopensamento.com.br/a-bancada-evangelica-e-uma-tragedia
Deve o Mil formular um bom pedido
alexandre banhos
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