GRONELÂNDIA
PARTE I
As ambições expansionistas norte-americanas, a que Donald Trump deu voz recentemente, constituíram pretexto para relembrar algumas regiões por onde naveguei há pouco mais de meio século. Desloquei-me em cumprimento do serviço militar obrigatório, como médico da Reserva Naval apoiando a frota portuguesa da pesca do bacalhau. Na maior parte desse tempo, estive colocado no navio hospital Gil Eannes.
Começarei por falar da Gronelândia. É a maior ilha do mundo, se a Austrália for considerada um continente.
Passei boa parte de dois verões (falo dos anos de 1970 e 1971) a bordo de navios que pescavam bacalhau à linha junto à sua costa ocidental. Na primeira temporada, estive no “Vimieiro” e, na segunda, no “Neptuno”. Naquela altura do ano, era sempre dia.
O litoral escarpado da ilha estava continuamente à nossa vista e os icebergs (que se derretiam lentamente) faziam-nos companhia. Para mal dos nossos pecados, as deslocações à terra eram raras e curtas.
A ilha era (e é) habitada por esquimós (inuit) e por um pequeno número de colonos islandeses e noruegueses. Dada a hostilidade do clima do interior, a maior parte da diminuta população fixou-se perto do mar. A densidade populacional na ilha é extraordinariamente baixa.
Em 1984 considerava-se que viviam ali 16.000 esquimós e 400 europeus. Hoje os habitantes serão cerca de 56.000. Quase 90 por cento são “inuit”, ou mestiços de “inuit” e europeus.
O clima é agreste, com invernos prolongados e rigorosos. Dos cerca de 2.180 mil km2 de sua superfície, apenas cerca de 88.000 são livres de gelo. A Antártida é a única região do mundo que dispõe de uma reserva de gelo superior em Gronelândia.
Façamos algumas perguntas à História.
Foi Erik Rauda (Eric o Roxo) quem chamou “Terra Verde” à costa então verdejante do sudoeste da ilha.
Em tempos recuados, a Gronelândia foi habitada pelos antepassados dos esquimós. Perto do final do primeiro milénio da era cristã, os noruegueses estabeleceram duas colónias nos fiordes do sul da costa ocidental da ilha. As condições climáticas seriam então mais amenas e a terra poderiam ser mesmo chamada de “verde”. Chegou a existir uma diocese católica na região. O convívio com os esquimós (inuítes) parece ter sido geralmente pacífico. Em 1261, a Gronelândia tornou-se parte do Reino da Noruega.
A meteorologia te-se-á agravado e, cinco séculos depois, os noruegueses abandonaram a ilha.
A dada altura, os nossos navegadores deram o seu contributo para a história da região.
No ano de 1500, o rei D. Manuel encarregou Gaspar Corte Real de procurar uma passagem para a Ásia, por nordeste. É possível que dispusesse de alguma informação que apontasse nesse sentido. Gaspar chegou à costa da Gronelândia. Julgou ter avistado a Ásia, mas não desembarcou.
Regressou no ano seguinte, com mais caravelas e acompanhado do seu irmão Miguel. Deu com o mar gelado e inverteu o rumo. Terá então descoberto a “Terra Nova”.
Falemos agora do capitão David Melgueiro. É pouco conhecido entre nós. Confesso que li, pela primeira vez, esse nome no costado dum arrastão da pesca do bacalhau e que tive de perguntar quem era.
Comandando um navio holandês que se chamava “O Pai Eterno”, David Melgueiro zarpou do porto de Tanegashima, no Japão, em março de 1660. Rumou a norte, passou o Estreito de Bering, que separa a Rússia do Alasca, e navegou para oeste pelo Oceano Glaciar Ártico, ao longo da imensa costa da Sibéria. Ao fim de muitos meses, terá avistado o arquipélago de Svalbard, o local habitado mais próximo do Polo Norte. Rumou então para sul, passando entre a Gronelândia e a Noruega, bordejou as costas da Escócia e da Irlanda e aportou à Holanda. Aí, Melgueiro embarcou noutro navio e acabou por atracar na foz do Rio Douro.
A viagem terá durado cerca de dois anos. A ser verdadeiro o relato do diplomata e espião francês Seigneur de La Madeleine (que é contestado por alguns), esse feito terá sido tão admirável como as viagens históricas de Vasco da Gama e de Fernão de Magalhães. A expedição de Melgueiro seria repetida apenas dois séculos mais tarde, com a proeza do navegador finlandês Nils Nordenskjold, realizada em 1878.
Ao longo de séculos, a Dinamarca e a Noruega constituíram apenas um país. Separaram-se em 1814, altura em que a Noruega se juntou à Suécia. A Dinamarca conservou sob a sua influência a Islândia, as ilhas Feroé e a Gronelândia.
Durante a Segunda Grande Guerra, com a ocupação nazista da Dinamarca, a Gronelândia aproximou-se económica e socialmente dos Estados Unidos e do Canadá. Findo o conflito, regressou ao controlo da Dinamarca, tendo obtido alguma autonomia em 1979. Curiosamente, foi o primeiro território a abandonar a União Europeia, ficando com o estatuto de estado associado.
Provavelmente, os recursos minerais do subsolo da Gronelândia serão apenas parcialmente conhecidos. Existem depósitos de chumbo, zinco, ouro, platina, molibdénio, carvão e urânio. Em 1994 também foi encontrado petróleo. As minas de rubis são exploradas desde 2007. Encontrou-se ainda alumínio, níquel, ferro e cobre.
Existem 14 aeroportos na ilha. Os dois maiores (Kangerlussuag, na costa ocidental, e Narsarsuag, na costa sul) têm capacidade para receber grandes aviões.
O navegador português David Melgueiro terá encontrado condições climáticas especialmente favoráveis para poder levar o cabo a sua travessia. A continuação do aquecimento global e do degelo na Gronelândia e no Oceano Glacial Ártico tornarão mais fácil a ligação marítima da Ásia à América e à Europa pela rota do Ártico e darão à Gronelândia uma posição estratégica determinante. A par das riquezas do subsolo, poderá ser essa outra grande razão para justificar a cobiça americana.
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