Não custa adivinhar o que passou
pela cabeça dos talibans para terem precipitado a tomada de poder no
Afeganistão. Sabendo, melhor do que ninguém – sobretudo, melhor do que os
“serviços de inteligência” norte-americanos – que o dito Exército afegão era um
mero espantalho, por mais bem equipado que estivesse, os talibans quiseram
mesmo humilhar os Estados Unidos da América.
Na política externa, ainda mais
do que na interna, a imagem vale muito – e a imagem que Joe Biden passa é a de
um líder fraco. Face a isso, os talibans assumiram o risco de humilhar
publicamente os Estados Unidos da América, não esperando, como era suposto, que
as tropas norte-americanas saíssem do país com a devida dignidade institucional.
E não vale aqui dizer que a
decisão de sair do Afeganistão já estava tomada – a questão não é de todo essa.
A questão nunca foi a de sair ou não sair – mas a de como sair. E é isso que
irá ensombrar todo o mandato do novo Presidente norte-americano. Sempre que
houver uma notícia sobre o Afeganistão – e, sobretudo por más razões, elas não
vão faltar –, os norte-americanos lembrar-se-ão deste mês de Agosto: data daquela
que foi, decerto, a maior humilhação político-militar dos Estados Unidos da
América nas últimas décadas.
Entretanto, na velha Europa, o
talibanismo politicamente correcto – felizmente, bem mais inócuo – resolveu
escrever mais umas páginas de revisionismo histórico, defendendo agora que também
o fundamentalismo islâmico (tal como o racismo, a escravatura, etc.) foi uma criação
do Ocidente. Nada de espantar: para o nosso talibanismo politicamente correcto
tudo, absolutamente tudo, o que existe de mal no mundo é responsabilidade
ocidental – em particular, norte-americana.
Lamentamos desiludir, mas o
fundamentalismo islâmico não existe por causa do Ocidente, antes,
essencialmente, por razões endógenas. É que as religiões, todas elas, têm fases
de desenvolvimento. E, comparativamente ao cristianismo e ao judaísmo (para
falarmos apenas das três religiões do Livro), o islamismo está numa fase de
afirmação agressiva. Chegará decerto o dia em que se tornará mais tolerante
(como, historicamente, já chegou a ser). Mas esse dia só chegará se acontecer
naturalmente. Jamais poderá ser imposto de fora. Aqueles que, no Ocidente,
procuraram acelerar a história, impondo o modelo da democracia liberal
ocidental, apenas a atrasaram.
Nesta fase do seu
desenvolvimento, o islamismo só pode olhar para o modelo da democracia liberal
ocidental com o maior desprezo. Sobretudo porque o seu paradigma, dito “laico”,
é, na prática, anti-religioso. É aliás isso o que o islamismo mais despreza no
Ocidente – não o cristianismo, nem sequer o judaísmo, que ainda vai existindo,
mas o crescente ateísmo. Mesmo um taliban consegue olhar para um cristão (e até
para um judeu, apesar do conflito israelo-palestiniano) com algum respeito. Por
muito afastados que estejam, há laços de parentesco. Com o crescente ateísmo
ocidental é que não há parentesco algum.
Renato Epifânio
Presidente
do MIL: Movimento Internacional Lusófono
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