“Um dia vieram e levaram um meu vizinho que era judeu.
Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte vieram e levaram um meu
outro vizinho que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No
terceiro dia vieram e levaram um meu vizinho católico. Como não sou católico,
não me incomodei. No quarto dia, vieram e levaram-me; já não havia mais ninguém
para reclamar.”
Martin Niemöller (1933)
A minha experiência na arte da
caça resume-se a uns tiros, na maioria tortos, dados nos primeiros anos da adolescência
com uma reles pressão de ar. Presumo que para António Guerreiro (AG), que
recentemente desenvolveu a extraordinária tese de que quem gosta de caçar só
pode ser fascista (“Como se reconhece um fascista”, Público, 15.09.2017), isso
não seja o suficiente, à partida, para merecer a mesma sentença que tão
generosamente aplicou a Henrique Raposo (HR).
Para mais, é justo reconhecer
que AG é ainda um TPC em processo de construção. Se estivesse já em acto puro, não
teria visado HR mas alguém bem mais proeminente, como, por exemplo, Manuel
Alegre (MA), decerto aquele que, entre nós, mais tem enaltecido a arte da caça.
É até possível (para não dizer provável) que numa primeira versão do texto
fosse MA e não HR o visado. Mas, perante o corolário argumentativo (MA é
fascista), o próprio AG se deve ter sentido ridículo. HR, em comparação com MA,
é um alvo um pouco mais credível.
Decerto, a objecção de que HR
é, assumidamente, um (neo-)liberal e de que o fascismo é, na sua doutrina,
anti-liberal, é, para o caso, uma minudência. Os TPC, como se sabe, não se
detêm nesse tipo de minudências e tendem até a “desconstruir” tais objecções: se
dá mostras de ser assim tão liberal é porque no fundo não o é. Durante o tempo
da Inquisição, também houve quem tivesse sido preso por dar mostras de ser “excessivamente”
católico: prova óbvia de dissimulação e/ou recalcamento. Hoje, como ontem, os
TPC não se prendem, com efeito, com tais minudências. Para mais, HR foi um
público apoiante do anterior governo – está por isso na mó de baixo. O dado é
irrelevante para o argumento mas ajuda (e muito) a sentença.
António José de Brito (AJB),
provavelmente o último fascista português, haveria de indignar-se com tão
“fáceis” companhias. Se fosse ainda vivo, à luz da mesma “lógica”
(neo-)inquisitorial, AJB correria hoje o risco de ser acusado de (neo-)liberal,
o que o indignaria ainda mais. Não sendo fascista, também me indigno. Os TPC de
hoje podem parecer-nos ridículos – e são-no, decerto. Mas podem não ser
completamente inócuos. Se não contrariarmos o seu processo de construção, em
fase de aceleração em todo o Ocidente, então, sim, as mil e umas profecias
sobre a “decadência do Ocidente” cumprir-se-ão.
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