Partamos, uma vez mais, de uma
definição clássica: “a cultura é tudo aquilo que excede a natureza”. Daí, desde
logo, uma vez mais reafirmada, a irredutível excedência do ser humano em
relação ao ser meramente natural. O humano excede o animal na exacta medida em
que a cultura excede a natureza.
Não se confunda, contudo,
excedência com oposição – equívoco, infelizmente, muito disseminado. O facto da
cultura exceder a natureza não significa, de todo, que a cultura seja
“contra-natura”. Bem pelo contrário: toda e qualquer cultura será tanto mais
forte quanto mais se enraizar na própria natureza.
Decerto, esse é um equívoco em
grande parte da responsabilidade da própria humanidade, que, por muitas vezes,
demasiadas vezes, se afirmou na negação, na destruição. E por isso há quem
chegue a suspirar por um mundo sem humanidade, como se a humanidade fosse
necessariamente sinónima da destruição da natureza. Apesar de todos os exemplos
que se poderão aduzir – e todos temos consciência de que há muitos –, essa
inferência é, em si mesma, abusiva e absurda.
Reconhecendo que o humano é
capaz do (muito) pior e do (muito) melhor – também aqui em relação aos animais
–, no seu melhor a cultura é sempre um enriquecimento, substantivo, da
natureza. E não falamos aqui, particularmente, do plano paisagístico – ainda
que, também aqui, uma paisagem humanizada seja, a nosso ver, em geral, uma
paisagem sempre mais rica do que uma paisagem apenas natural.
Falamos aqui, também, de como
a convivência humana é, no plano cultural e civilizacional, irredutivelmente
mais rica do que a convivência natural, no essencial regida pela “lei do mais
forte”. Também aqui, todos os contra-exemplos que se poderão facilmente aduzir
apenas confirmam a regra. Sim, a humanidade historicamente criou também
sociedades cruéis para muitos dos seus membros, mas foi a mesma humanidade que
criou as únicas formas de convivência que respeitam os direitos de todos os
seus membros, as sociedades a que damos o nome de “civilizadas”.
Para além disso, insistimos
uma vez mais, é através do pensamento, da linguagem, da cultura – nas suas mais
diversas formas – que o mundo, a própria natureza, ganha real sentido. Também
por isso, a cultura, excedendo a natureza, não é “contra-natura”, antes a
completa. Um mundo sem humanidade seria por isso, reiteramos, um mundo
substancialmente mais pobre. Ainda que por vezes para nada pareça servir, é o
pensamento, a linguagem, a cultura – nas suas mais diversas formas – o diamante
maior na natureza, do mundo, do próprio ser: o que lhe dá, nos dá, real
sentido.
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