1. A ideia de «Constituição
Mista» radica no pensamento de ARISTÓTELES de que o Estado ideal é aquele em
que os governantes são sábios, prudentes e justos ─ e estas
características só se encontram quando se reúnem a aristocracia e a democracia.
Sendo a aristocracia (aristói = os
melhores, os mais virtuosos, os mais excelentes, os mais sábios, os mais
justos) a forma e a democracia a matéria, a unidade substancial da
Res-publica (=comunidade público-política) seria a unidade desta forma com esta matéria, sem que uma possa separar-se da outra: «O carácter de
perfeita mistura está em poder dizer-se do mesmo governo que ele é uma
aristocracia e uma democracia, porque é evidente que aqueles que assim se
exprimem se limitam a enunciar a impressão neles produzida pela perfeita
mistura das duas» ─ ARISTÓTELES, Política.
A ideia de «Constituição Mista» já tinha sido
lançada pelo antigo Estoicismo, encontra-se mais tarde em POLÌBIO e foi depois
defendida por CÌCERO, SÃO TOMÀS DE AQUINO,
MAQUIAVEL e mesmo MONTESQUIEU, entre outros. Sobre a «Aristocracia», a
«Mentalidade Aristocrática», o «Governo Representativo» e o regime da «Constituição Mista», veja-se,
incontornavelmente, MIGUEL MORGADO, A
Aristocracia e os seus Críticos, Edições 70, Ldª., Novembro de 2008.
2. A aristocracia, como aristocracia
moral, só é hoje possível e viável na base de um autêntico individualismo ou personalismo liberal-aristocrático, que é a
antítese mesma do homem-massa de que
nos falava ORTEGA Y GASSET (Cfr. A
rebelião das massas, 1 930), ou do individual
manqué de que nos falou OAKESHOTT: ser-aí, ou estar-aí, sem Existência.
Sendo aquela para nós legítima,
hoje, só como aristocracias abertas e
em contexto democrático geral, ela deverá ser constituída exclusivamente por
personalidades distintas, excepcionais ou diferenciadas de um estrito ponto de
vista qualitativo ou axiológico-moral e cultural e seleccionadas pela sua
excelência, a sua boa reputação, a sua qualificação, o seu valor ou o seu
mérito, i. é, sobretudo por aqueles ou aquelas que logrem conduzir uma existência autêntica e manter-se na, ou
não abdicar da, dignidade humana do
seu ser-si-próprio
(Selbstsein).
Também, regra geral, quando
autênticas e abertas, as aristocracias são mais vocacio-nadas para a prudentia (phronésis), a sageza, a moderação, a proporção, a ponderação, o
equilíbrio e o justo-meio. Deveriam mesmo, para o futuro, constituir alguns
órgãos políticos e constitucionais fundamentais, como por exemplo a Câmara
Alta Legislativa, ou Senado, do
modelo constitucional e político da Demarquia, proposto por FRIEDRICH HAYEK.
3. Quanto ao elemento monárquico
do regime de constituição mista diremos apenas que, não tendo nós qualquer
anacrónico dogmatismo ideológico em relação ao regime republicano de governo, entendemos que não está afastado (ou não
deve estar afastado) que, contra todos os dogmatismos estabelecidos e contra a
mera inércia do que simplesmente aí está, a questão e a causa da Monarquia venham
de novo a ser discutidas em Portugal e, porventura, a ser aceites
consensualmente, mediante, por exemplo, uma oportuna consulta popular, desde
que conduzido o processo com liberdade, isenção, objectividade e
esclarecimento.
Com efeito, quanto a nós, e pressupondo
uma possível adopção, no futuro, em Portugal, de um regime constitucional e
político de acordo com o modelo da Demarquia proposto por FRIEDRICH HAYEK, a Chefia
do Estado deveria ter um carácter de dignidade sobretudo moral e simbólica, já
que visaria apenas (e não é pouco !) representar, na pessoa de um indivíduo
singular, que deve ser «um homem só» (embora não isolado), acima dos partidos e
de quaisquer outros grupos de interesse organizados e acima das tarefas
correntes da «governação», a dignidade, a unidade, a identidade, a estabilidade
e a continuidade nacionais.
4. Aliás, recorrendo à
conceptologia usada por ORLANDO VITORINO (Cfr. Exaltação da Filosofia
Derrotada, 1 983), que distingue entre a Nação (que é «… o conjunto das
gerações ─ passadas, presentes e futuras ─ de portugueses…»), a Pátria (que é
«…a entidade espiritual de Portugal e exprime-se, existe e perdura na língua,
na arte e na história»), a República, como comunidade público-política (que é
«…a “coisa pública”, reúne o que é comum interesse, virtual ou manifestamente
imediato, de todos os portugueses») e o Estado (que é «… a efectivação do
Direito ─ na Nação, na República e na Pátria ─ segundo a Verdade, a Liberdade e
a Justiça»), diríamos que, o Monarca representaria e simbolizaria, sobretudo, a
Nação e a Pátria, na sua transcendência e continuidade intemporal, mais do que
apenas ser também um Chefe de Estado e da República.
Ponto é que haja suficiente consenso democrático sobre a
re-instauração desta instituição ─ a Monarquia ─, tão necessária, uma vez que
parecem criadas em Portugal as condições subjectivas e pessoais de legitimidade
dinástica para a sua existência, sucessão e continuidade.
VIRGÍLIO CARVALHO (Dr.).
Sem comentários:
Enviar um comentário