Em relação à «natureza humana
comum e universal», entendida como uma «constituição ontológico-fundamental» do
ser humano (MARTIN HEIDEGGER) – e bem assim, em relação também ao «mundo» em
que o homem existe e vive, pois que uma certa «auto-compreensão» não está em
absoluto desligada de uma certa «pré-compreensão» do próprio «mundo», como o
seu «horizonte», sendo este predominantemente um «mundo social ou
civilizacional» -, pode ter-se uma «atitude fundamental», que poderá oscilar
entre os extremos de um optimismo ou de um pessimismo «absolutos», com as suas gradações intermédias de um optimismo ou
de um pessimismo «relativos».
Contra o «pessimismo desiludido»
de certa Direita (para a qual o homem seria «naturalmente mau» e
incorrigivelmente «imperfectível»); e contra também o «optimismo ingénuo,
inflaccionado e grandioso» (e fortemente dogmático) de certa Esquerda e da «intelligentzia» dita «progressista» -
para quem o homem seria «originaria e naturalmente bom», puro, sociável (e só
sociável…), fraterno, ilimitadamente perfectível, bem como também a sociedade,
que se poderia manipular livremente no sentido de também uma ilimitada perfectibilidade
ideal (ROUSSEAU e seus seguidores) – nós temos defendido um fundado «optimismo
crítico, realista e moderado», no sentido do «realismo crítico» popperiano, mas
de algum modo também correspondente ao «optimismo relativo» do realismo
cristão, em relação ao ser humano e à sociedade.
Por seu lado, com alguma
coincidência com esta nossa última «atitude fundamental», EMMANUEL MOUNIER terá
defendido, no seu tempo e circunstância, um «optimismo trágico».
Quanto a nós, do lado «realista e crítico» do nosso «optimismo relativo», retiramos o que o
político do P.S.D., Dr. PACHECO PEREIRA, há algum tempo, num programa
radiofónico semanal da T.S.F., dizia ser o seu «pessimismo da inteligência». Com
efeito, ao optimismo eufórico e inflacionado da Esquerda política, ele
contrapunha um «pessimismo da inteligência» e um «optimismo da vontade». Nós preferiríamos dizer, talvez, um «realismo
da inteligência». Por um lado, não
podemos desconhecer a «realidade»
(pela inteligência); mas por outro lado, não podemos deixar de tentar realizar
(pela vontade) os «valores ideais» e
os «imperativos éticos» que se
apresentam à nossa consciência moral.
Na verdade, contra o optimismo
filosófico absoluto de um LEIBNIZ, de um ESPINOZA, de um MALEBRANCHE e
sobretudo do positivismo de um HEGEL, nós não iludimos a realidade existente do
«mal» no mundo e no homem e as suas limitações e imperfeições, embora
susceptíveis de contínuo aperfeiçoamento pelo esforço humano.
Podemos, decerto, ter uma «presunção» apenas «relativa» da «bondade natural» do ser humano e até da sua
Liberdade; mas são tais e tão abundantes as evidências do «Mal» de que ele
também é capaz, da maldade, da perversidade, do egoísmo e do egocentrismo, da
inveja e da cobiça, do ódio, da corrupção e das velhacarias a que se entrega
tão facilmente, que não podemos subscrever, tranquilamente, uma qualquer «teoria da pessoa humana» (e, em
decorrência disso, uma qualquer «teoria
da sociedade») intrinsecamente, ou exclusiva-mente, «optimistas».
Todavia, este nosso «relativo pessimismo» é (ou pretende
ser) apenas, como dissemos, um «realismo
da inteligência»: apesar daquela referida maldade e perversidade
intrínsecas do ser humano, nós acreditamos, com excepção dos casos
definitivamente patológicos e comprovadamente irreversíveis, na «relativa
perfectibilidade humana».
Por outro lado, porque também, no
mundo, nem tudo é mau; porque afinal «este»
mundo em que vivemos (e não conhecemos ainda outro…) também tem coisas boas;
porque, afinal, como o diz o dito popular, «a esperança é a última a morrer»;
porque há também ainda tantos exemplos e evidências da «pureza» e da «excelência»
humanas – permanece vivo e actuante o que PACHECO PEREIRA queria dizer com um «optimismo
da vontade»: um optimismo que se quer «crítico» e «realista» (relativo e
moderado); mas um optimismo que não quer transigir com a passividade abdicante,
mas se quer «activo» e «crente» na possibilidade, apesar de
tudo ainda aberta, de combater, pelo «Eros»,
o «Mal». Por exemplo, através de reformas sociais («reformismo crítico»), de reformas de paradigmas civilizacionais e
culturais e de sistemas normativos e políticos: a «luta pelo Direito» (IHERING), por exemplo, e a «Métapolítica» (HAYEK) como «conversação com a humanidade» (RICHARD
RORTY).
Ponto é que, em nós próprios,
aquele «pessimismo (ou realismo) da
inteligência» não contamine irreversivelmente o referido «optimismo da vontade» e que este possa
permanecer regenerado e íntegro.
VIRGÍLIO CARVALHO (Dr.).
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