O «Liberalismo» é a
filosofia natural da Liberdade.
Devemos dizer que nós
sempre fomos, mais ou menos conscientemente, mais ou menos
explicitamente, mais ou menos resolutamente, como disposição de
carácter e apesar das influências dos vários ambientes culturais e
ideológicos que fomos atravessando durante a nossa Existência,
adeptos de uma atitude fundamentalmente «liberal» perante o mundo e
a vida e, portanto, naturalmente adeptos do «liberalismo».
Não de certo
libertarismo anarquizante, dissolvente, fragmentário e radical, ou
selvagem, de algum do neo-liberalismo e anarco-capitalismo mais
recente (v.g., DAVID FRIEDMAN, MURRAY ROTHBARD, etc.), ou de certas
visões neo-contratualistas de pendor liberal mais radical e extremo
(«Teoria do Estado Mínimo», de ROBERT NOZICK), por exemplo, que se
baseiam num individualismo estrito, absoluto e radical (ou seja,
justamente, no «falso individualismo» que HAYEK denunciou). Mas de
um liberalismo moderado, mitigado e com justa medida: um «liberalismo
comunitário» ─ incontornável e inalienável liberdade individual
+ ecologia humana, cultural e social (OTIS D. DUNCAN) e preocupação
com a saúde da comunidade, i. é, com a regeneração,
revitalização, reconstituição e reintegração do tecido social e
da cultura e valores da comunidade. Mas extensível, sem
preconceitos, à esfera económica, justamente na linha do
«liberalismo clássico», que radica no iluminismo anglo-escocês do
século XVIII («velho Whiggismo»
britânico) e no pensamento dos «Founding Fathers» da Constituição
Americana e passa, entre tantos outros que aqui se omitem, por JOHN
LOCKE, DAVID HUME, ADAM SMITH, EDMUND BURKE, Lord ACTON,
MONTESQUIEU, TOCQUEVILLE, JOHN STUART MILL, ALEXANDRE HERCULANO,
JOSÉ ORTEGA Y GASSET, ISAIAH BERLIN, JOHN RAWLS, CARL MENGER,
LUDWIG EDLER von MISES, FRIEDRICH AUGUST von HAYEK (cujo pensamento
não é, propriamente, nenhuma versão do «neo-liberalismo», como é
muito corrente ver-se incorrectamente dito e o próprio recusou, mas
uma reformulação mais recente dos princípios do «liberalismo
clássico»: aliás é esse, justamente, o subtítulo da sua obra em
três volumes intitulada «Direito, Legislação e Liberdade: Uma
nova formulação dos princípios liberais de justiça e de economia
política»), KARL POPPER, etc., e, mais recentemente, RALF
DAHRENDORF e pelo liberal britânico JOHN GRAY.
Um liberalismo que não
dispensa «culturas comuns» (ou «formas de vida comum», no dizer
de JOHN GRAY) e factores integrativos e normativos (Rule of Law e
Individual Liberty under the Law, «Ordem de Direito», elites
culturais e morais, políticas e técnicas, factores institucionais
e, onde for o caso, mesmo organizacionais), de segurança, de
estabilidade, de continuidade e de «Ordem»:
─ liberalismo
político e social: democracia e um razoável pluralismo políticos e
sociais, no âmbito de «uma mesma comunidade» e num regime de
«Constituição Mista»; Estado de Direito; princípio da separação
e autonomia dos poderes públicos do Estado; princípio da
constitucionalidade e da jurisdicidade de todos os actos do Estado;
etc.
─ liberalismo
económico: economia, livre ou social, de «Mercado» ─ melhor: uma
Soziale Marktwirtshaft, ou economia «Social» de mercado, ou
«Catalaxia»; liberdade económica dentro do Direito; princípio da
«propriedade», privada ou pluralista; o «dinheiro», como
categoria económica, etc.
─ liberalismo
cultural: pluralismo cultural e axiológico (um «pluralismo
razoável»: JONH RAWLS) e heterogeneidade cultural civilizada, no
âmbito de «uma cultura comum» mais vasta;
─ liberalismo
jurídico e institucional: pluralismo jurídico e de fontes
jurídicas; e universalização, sacralização e garantia dos
«direitos humanos», como «direitos universais de cidadania» e
como «direitos de cidadania universal»;
─ e liberalismo
religioso ou teológico: liberdade de consciência confessional e
liberdade e tolerância religiosas; princípio da coexistência
pacífica entre as várias Religiões; princípio da separação e
tolerância recíprocas entre o Estado e as Religiões; etc.
Tudo isto com base num
fundamental «personalismo liberal aberto, realista e crítico»,
moderadamente optimista, dinâmico e evolutivo ou evolucionista e, no
plano institucional, político e legislativo, mesmo de algum modo
«reformista»: reformismo crítico e gradualismo, na linha de um
KARL POPPER.
E no contexto de uma
«Comunidade Aberta» e da «Grande Sociedade Aberta», plural,
heterogénea e livre de Direito, de Cooperação e de Mercado, que é
o nosso horizonte civilizacional de referência, hoje globalizado ao
nível do próprio Planeta.
Hoje em dia, no
contexto da crise global que atravessamos, está na moda demonizar
todo aquele que tem ideias liberais, pondo-lhe o rótulo de
«neo-liberal». Esquece-se que há vários liberalismos e que o
verdadeiro responsável pela crise foi o libertarismo radical e
extremo, de origem americana (v.g. a Escola de Chicago). Esse é que
é o «neo-liberalismo», no fundo anarquizante e fragmentário que
rejeita toda e qualquer «Ordem» e a regulação pelo Direito e
defende um mercado sem regras, portanto selvagem, e uma concorrência
sem limites, nem Ética. Outro bem diferente é o liberalismo
clássico (velho whiggismo britânico), que, não só aceita, como
exige, a «rule of law». Foi nessa tradição de liberdade ordeira e
comunitária que se inseriu, entre tantos outros, FRIEDRICH von
HAYEK, que tentou adaptar essa tradição ao nosso tempo,
reformulando os princípios e as regras do liberalismo verdadeiro.
Essa demonização esquece, por exemplo, que pode haver até um
socialismo liberal, que só na aparência é uma
contradição-nos-termos. Por isso nós dizemos que, actualmente, não
há alternativas à Economia de Mercado (mas com regras), à
Democracia Liberal e ao Estado de Direito.
VIRGÍLIO CARVALHO
(Dr.).
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