A BELA SÉ-SÉ
Naqueles idos de 1826 quem quisesse falar ao Imperador Pedro I tinha que ir á casa da Sé-Sé;até a inesperada noticia da morte do pai quase recebeu lá.
Mas,quem era a Sé-Sé?
A Sé-Sé era uma adorável francesinha que, naquela época ,deslumbrava a Corte;chamava-se Clemence Saissat,mas,não era clemente com as damas que freqüentavam o Paço,geralmente deselegantes e tronchudas,e,por lá,desfilava a sua beleza,charme,donaire,a inata elegância realçada pelos belos vestidos de um bom gosto europeu.
Tinha os mais belos olhos verdes já vistos nas plagas tupiniquins,cabelos crespos,lábios carnudos e estonteantes,corpo perfeito.Não satisfeita com tudo isso a Mãe Natureza lhe deu uma vozita de mel e umas mãos muito brancas,de dedos longos.Perfeita!
Ora, isso numa Corte onde o Imperador era um garanhão,imaginem o que vai rolar.Nosso Pedro começou a dispensar ao casal (ah,esqueci de dizer que ela era casada!)uma atenção ,que os tornou muito influentes em São Cristóvão.
O marido era Pedro Saissat,um francês muito manso,de gênio bom.
Era um dos donos da famosíssima Casa Wallenstein, a Maison Dior,da época;não havia fidalga de nome quilométrico e altas posses que não se vestisse lá.Nem gentilhomens de bom sangue,também.
Ora,o Pedro Saissat era manso,mas,não era besta.
Manejou bem os pauzinhos e,um belo dia,a Casa Wallenstein aparece como”Fornecedores do Imperador”;tinha um decreto referendado pelo Primeiro Ministro,”comme Il faut”.
A amizade entre o Imperador e a Saissat corria suave,sem tropeços,pejada de romance.Tudo com as bênçãos do outro Pedro,o oficial;não se sabe bem por que,um dia o Saissat foi acometido por uma terrível dor-de-corno,saiu da loja,num supetão,desceu até a confeitaria Carceller,bebeu uma genebra, disse um palavrão,que na época,se falava palavrada,agarrou num porrete de caviúna e partiu para casa,meio embriagado de ódio e genebra para encontrar a doce Clemènce,muito vaidosa diante do seu dourado espelho veneziano,experimentando um belo toilette de plumas azuis,cor que revelava todo o seu fascínio.
Nem deu pela chegada do marido,que,com um mau riso no canto da boca,aproximou-se dela bem devagarinho, na surdina,e,num átimo,atirou-lhe com um porrete ás costas,deu-lhe uma surra de criar bicho,espatifou o espelho,os preciosos frascos de perfume,as alfaias e objetos de toucador.
A pobre francesinha berrava como louca:_aqui del-rei”,mas,não chegava ninguém para acudi-la
.Finalmente,como o homem gritava como um possesso.os criados acudiram ,descuidados com a porta da frente;um capoeira que passava na rua,ouvindo os berros entrou ,e,ao ver um sujeito esbordoando uma mulher bonita,encheu-se de brios e começou a atirar.
-Ai,que me matam!Assassinos!berrou o Saissat.
E saiu ás bandeiras despregadas para se queixar ao Ministro da França.
No dia seguinte, o casal era o prato do dia e da noite , nos salões elegantes do Rio;não se falava de outra coisa.
As gargalhadas retumbavam Rio afora.
Miguel Calmon, ministro de Estado,e,baiano de boa cepa,resolveu acabar a igrejinha;fez o monarca partir para o sitio do Padre Correia,enquanto,sem alardes,expulsava o inconveniente casal.
O ministro agiu com engenho e arte;o Paço foi preservado.
Mas,isso custou muito ao Erário.
”Cleménce,La douce”recebeu um cheque de setenta e cinco mil francos,mais uma pensão vitalícia de seis mil francos;foi o bastante para curar as porradas e as lágrimas.
Alguns dias depois o casal partia a bordo do Salisbury,enquanto o Rio,ainda gargalhava.
Mas,a historia não acaba aí.
No dia 23 de agosto de 1829, nascia,em Paris,na Rua Bergére,nº7,um belo garoto,a quem foi dado o nome de Pedro de Alcântara Brasileiro;era filho legitimo de Pierre Félix Saissat e de Mme. Clémence Saissat.
Pior:no testamento de D.Pedro há uma cláusula para os filhos naturais;lá o nosso “Rei Cavaleiro”,o glorioso Imperador do Brasil e Pedro IV de Portugal,manda chamar para junto da Imperatriz Amélia,entre outros filhos naturais,o bastardinho da Sé-Sé.
E,”ce finie la contradance”.
Fontes:João Loureiro,cronista da Côrte
O Chalaça:Joel Rufino dos Santos
Paulo Setúbal:As maluquices do Imperador
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Agostinho da Silva
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