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MIL: Movimento Internacional Lusófono | Nova Águia


Apoiado por muitas das mais relevantes personalidades da nossa sociedade civil, o MIL é um movimento cultural e cívico registado notarialmente no dia quinze de Outubro de 2010, que conta já com mais de uma centena de milhares de adesões de todos os países e regiões do espaço lusófono. Entre os nossos órgãos, eleitos em Assembleia Geral, inclui-se um Conselho Consultivo, constituído por mais de meia centena de pessoas, representando todo o espaço da lusofonia. Defendemos o reforço dos laços entre os países e regiões do espaço lusófono – a todos os níveis: cultural, social, económico e político –, assim procurando cumprir o sonho de Agostinho da Silva: a criação de uma verdadeira comunidade lusófona, numa base de liberdade e fraternidade.
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NOVA ÁGUIA: REVISTA DE CULTURA PARA O SÉCULO XXI

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"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

"Trata-se, actualmente, de poder começar a fabricar uma comunidade dos países de língua portuguesa"

Nenhuma direita se salvará se não for de esquerda no social e no económico; o mesmo para a esquerda, se não for de direita no histórico e no metafísico (in Caderno Três, inédito)

A direita me considera como da esquerda; esta como sendo eu inclinado à direita; o centro me tem por inexistente. Devo estar certo (in Cortina 1, inédito)

Agostinho da Silva

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Educar para a Autonomia e para a Liberdade

Face aos múltiplos desafios que o final de milénio nos colocou e à forte vertente de mudança e inovação educacional que consigo arrasta até hoje, é inevitável que teremos de caminhar, a passos largos, para uma educação aberta, quer no que concerne aos objectivos e métodos, quer no que diz respeito à diversificação dos agentes educativos.
Urge a consciencialização crescente de que a educação não se pode restringir a uma estreita concepção de escolaridade, nem tão pouco se confundir com a mera instrução. Eis um dos principais propósitos desta reflexão dedicada à Didáctica da Filosofa, em particular, e à Educação, em geral.
Não obstante a questão filosoficamente controversa da existência ou não de uma didáctica específica da Filosofia – que tem vindo a suscitar um intenso e polémico debate entre os defensores da sua legitimidade e urgência e aqueles que perspectivam de um modo assaz suspeito a aproximação desta área do saber, bem como do seu ensino, às denominadas Ciências da Educação – considero que a Filosofia é, em si mesma, uma pedagogia e uma didáctica.
O ensino da Filosofia, por conseguinte, nada tem a pedir de empréstimo às ditas Ciências da Educação, em virtude da Filosofia compreender em si própria os fundamentos orientadores do seu peculiar exercício comunicativo.
Porém, afigura-se indubitável a necessidade de conferir ao ensino da Filosofia a didáctica de que ela por si mesma requerer, a qual deverá ser edificada, sempre e inevitavelmente, a partir do seu próprio interior: a melhor formação pedagógica de um professor de filosofia será, e quiçá irredutivelmente, uma sólida formação filosófica. Isto não significa afirmar a absoluta diferenciação disciplinar da Filosofia, nem tão-só a sua tecnicidade. Mas, antes de mais, indica-nos que a formação de filósofos, ou se preferirmos, de ensinantes de Filosofia, deve entender-se como formação de profissionais legítimos, em oposição a qualquer tipo de amadorismo, naturalmente, repugnante.
A Filosofia afirmou-se ontem, e afirma-se hoje cada vez mais. Os filósofos jamais ignoram como os homens são feitos, embora sejam mais "ligeiros do que os anjos" e nunca experimentem a necessidade de caminhar entre os mortais bicéfalos, vagueantes, com as suas mentes errantes, por este Mundo em irremediável con-fusão.
Independentemente de aderirmos ou não à questão que indaga sobre a problemática da existência de uma didáctica específica para a disciplina de Filosofia no Ensino Secundário, não concebo esta área de abordagem senão enquanto fundamentada no âmbito da Filosofia da Educação, quer dizer, no espaço de emergência da reflexão de uma concepção de educação, de ensino e de aprendizagem, de aluno e de professor, enquadrada no âmbito geral de uma concepção globalista de Sociedade e de Humanidade.
É preciso criar uma cultura nova que veja a própria escola como o seu produto e produtor directo. Só uma interacção deste tipo poderá ser frutífera face às ambições do mundo actual, cujo motor de desenvolvimento se centra, cada vez mais, no tipo e nível de educação a ministrar aos seus membros.
O que se pretende, então? Dar aos espíritos (dos aprendizes de filósofo que, em última instância, somos todos nós), a capacidade de um contínuo desenvolvimento, de molde a aperfeiçoar a sociedade em que vivemos na sua Humanitas. Estes dois objectivos reduzem-se, afinal, à mesma ideia: “porque desenvolver os indivíduos é aperfeiçoar a sociedade, e porque do carácter da sociedade depende, por sua vez, o desenvolvimento dos indivíduos", como afirma António Sérgio, nos seus Ensaios I[1].
A educação, todos o sabemos, começa na família, passa pela escola, embora não termine neste domínio institucional, mas no meio sócio-cultural em que o aluno se circunscreve, num continuum processo de socialização.
Faço, por isso, a apologia de uma noção progressiva de educação, fundada na ideia de uma estreita conformidade entre as capacidades intelectuais do aluno e os ensinamentos ministrados, de modo a evitar o obscurecimento da ordem natural do educando, cuja estrutura intelectual deve ser devida e dignamente respeitada, ao mesmo tempo que salvaguardada em todo o seu processo evolutivo. Esta ideia permite-nos ultrapassar a concepção estática da educação, em defesa de uma perspectiva educativa que prima pela dinamicidade, pelo contínuo porque, antes de mais, o saber é algo que se vai construindo ou per-fazendo ao longo da existência de cada ser humano, e não uma instância que esteja pautada por uma rigidez absoluta, apriorística e definitivamente elaborada: aprender é inventar ou reconstruir por invenção.
Como sublinha Kant – filósofo que muito prezo no que concerne a assuntos desta natureza – o aluno não deve "aprender pensamentos, mas aprender a pensar; não se deve levá-lo, mas guiá-lo, se se pretende que no futuro seja capaz de caminhar por si mesmo (...). É uma maneira de ensinar deste tipo que exige a natureza peculiar da filosofia. O adolescente que saiu da instrução escolar estava habituado a aprender. Agora, ele pensa que vai aprender Filosofia, o que é, porém, impossível, porque agora ele tem de aprender a filosofar”.[2]
Para se aprender Filosofia, considera ainda Kant, era necessário que existisse realmente uma, concebida à maneira de uma disciplina acabada, perante a qual pudéssemos dizer: eis aqui a Filosofia; aqui está a sabedoria e o critério seguro para a sua cabal aprendizagem.
Não obstante a legitimidade da polémica questão kantiana – assim compreendida mediante as características da sua época, e obviamente defensável mediante um certo ponto de vista, que não nos cabe agora discutir – afirmo, sem reservas, a possibilidade inegável do ensino da Filosofia, pelo menos enquanto postura existencial perante o Mundo, enquanto uma forma específica de mundivisão.
Cada filósofo estudado, que serve de base ou de ponto de partida para tal ensinabilidade, embora jamais deva ser considerado como modelo absoluto de um qualquer juízo emerge, no entanto, como uma das grandes oportunidades para cada qual – professor e aluno – pronunciar um juízo sobre ele, ou até mesmo contra ele, ao mesmo tempo que proporciona, pelo método de reflectir por si mesmo, o despoletar de um pensar que é capaz de produzir autonomamente uma certa interpretação indicadora do caminho a seguir enquanto “ser-lançado” no Mundo.
Nesta perspectiva, a Filosofia, enquanto disciplina integradora do curriculum do Ensino Secundário, surgiria como um domínio essencialmente reflexivo, como uma espécie de "higiene mental", que permitiria ajudar os alunos a situarem-se no espaço e no tempo que são efectivamente os seus.
A educação filosófica torna-se um processo de auto-construção-guiada, reservando-se para o pedagogo o papel de orientador, de formador ou "modelador" de uma matéria, que não obstante todos os germens potenciais que intrinsecamente a compõem, ainda se encontra de certo modo desenformada.
O professor de Filosofia não pode ser mais o simples conferenciador; não pode mais contentar-se em debitar soluções previamente resolvidas, devendo situar-se, ao invés, num espaço de abertura e de flexibilidade que o direccionem ao concretamente vivido. Deve mover-se numa esfera que alargue o restrito espaço da sala de aula não só à comunidade, mas ao Mundo, pois o alargamento das fronteiras da escola exige um correspondente alargamento das fronteiras do professor e da sua metodologia de ensino.
Esta mudança não é apenas o resultado calculável ou previsível do novo conceito de escola que agora se impõe – a escola-comunidade-educativa –, mas quiçá o resultado mais imediato das exigências que o actual corpo discente coloca imperativamente a cada instante, jamais de olhos vendados perante o “magistral” e irrepreensível saber do professor. Os alunos de hoje, contrariamente aos alunos de ontem, dispõem, sem qualquer espécie de freios, de meios de informação que lhe oferecem gratuitamente, de um modo fácil e diversificado, o conhecimento.
O aluno de hoje jamais poderá ser encarado como um escravo do mestre, como aquele que se limita a escutar e a repetir as "verdades" proferidas por este. Muito pelo contrário: deverá ser convidado a substituir a postura passiva em que geralmente era colocado pelo "ensino tradicional", por uma participação activa e criativa, que fará dele um elemento realmente interveniente no processo de ensino-aprendizagem, pelo exercício pleno da sua liberdade e responsabilização correspondente.
A educação não pressupõe, propriamente falando, a introdução de algo novo, mas o fazer desabrochar do já existente. Esta ideia aproxima-nos, em grande medida, da metodologia socrática – relativamente à qual manifesto também a minha preferência, em virtude da sua pragmaticidade – por oposição aos tradicionais métodos "caquécticos" que introduzem a mecanização nas jovens mentes em formação.
Como o que interessa desenvolver no aluno é a razão prática reflexionante, e não a razão meramente especulativa, e como verificamos que cada indivíduo aprende, ou seja, retém mais facilmente e de um modo mais sólido o "manancial teórico" que extrai de si próprio, deveremos proceder socraticamente na educação da razão.
Sócrates, que se nomeia "parteiro" dos conhecimentos dos seus interlocutores, por ajudar a "dar à luz" os conhecimentos que latentemente se encontram nas suas almas adormecidas, hoje cada vez mais proliferantes, dá-nos vários exemplos do modo como podemos conduzir os alunos a extrair muitas coisas do seu próprio intelecto.
Trata-se de um método investigativo, progressivo e não dogmático, naturalmente estimulador da capacidade intelectual dos alunos, da sua actividade e espontaneidade, através do qual são chamados a reinventar a verdade que é necessário assimilar.
Na aula de Filosofia não há modelos a seguir, mas pistas indicadoras que se destinam a promover uma busca contínua, sobre as quais é susceptível exercerem-se juízos pessoais que não obedecem, necessariamente, aos cânones estabelecidos pela exterioridade. O professor de filosofia deve entender a educação, de que é um condutor privilegiado, como um processo interior progressivamente realizado mediante as potencialidades que comandam a ordem natural do educando.
A educação visada pela Filosofia deverá encontrar na natureza a sua justificação e razão de ser: a educação consuma aquilo que a natureza deu ao homem como gérmen e possibilidade; é o cumprimento supremo e aperfeiçoado da natureza. É precisamente neste sentido que devemos interpretar a tese que afirma "que o homem só se pode tornar homem peia educação", pois "ele não é senão o que a educação faz por ele”[3]. Urge, pois, trabalhar no plano de uma educação conforme aos princípios humanos, legando à posteridade as instituições fundamentais que permitirão a sua realização plena.
Não deveremos encarar esta ideia como quimérica ou simplesmente rejeitá-Ia por a considerarmos como um belo sonho minado pela utopicidade de um ideal meramente inalcançável, mesmo se encontrarmos obstáculos que se oponham à sua consumação, pois uma ideia não é senão o conceito de uma perfeição que não está ainda concretizada na experiência.
A ideia da existência de uma educação que desenvolva plenamente todas as disposições naturais do homem é certamente verídica, e a humanidade presente e futura deve canalizar todos os esforços para levar a cabo este brilhante e necessário ideal.
A educação deve compreender o indivíduo no seio do progresso geral da humanidade, de modo a fazer dele um homem do futuro, um elemento intrinsecamente pertencente ao conjunto de gerações que ocuparão o palco da História vindoura: é em vista do futuro, em vista do progresso parcial que cada indivíduo pode representar, que devemos educar os nossos alunos. O futuro será sempre certamente o critério de todas as nossas aspirações educacionais.
A educação, tal como a filosofia da história, descobre um outro tempo, uma outra temporalidade. Não é em função do passado que se constrói o presente, mas sim em função do futuro. A escola dever-se-á fundar sobre a ideia de humanidade e da sua destinação total, concretizada pela visão de um futuro possível e melhor, pois o tempo da educação não é o tempo do ser mas o tempo do dever-ser; o seu fundamento originário é a fé no futuro, como princípio e norma orientadora do presente.
Caberá à educação do futuro concretizar o ideal da Aufklãrung (Iluminismo), para o qual nos devemos direccionar desde já, que consiste em extirpar o homem da menoridade de que é culpado, quer dizer, da "incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem", e despertá-lo para a maioridade, para a conquista da sua própria autonomia e liberdade, para a libertação da razão que se pretende que seja devidamente esclarecida[4].
Eis os grandes objectivos a concretizar na aula de Filosofia, em perfeita conformidade com a escola da Vida, independentemente de credos, raças, cores ou culturas. A didáctica da Filosofia, a Filosofia em si mesma, é inter-cultural por natureza, movendo-se na tolerância da mais genuína diversidade.


[1] António Sérgio, Ensaios, Tomo VII, p. 225.
[2] Kant, Informação Acerca da Orientação dos seus Cursos no Semestre do Inverno de 1765 – 1766, in Filosofia, Publicação Periódica da Sociedade Portuguesa de Filosofia, Vol. 11 - N° 1/2 – Primavera/88.
[3] Kant, Reflexões sobre a Educação, p.73.
[4] Kant, Resposta à Pergunta: O que é o Iluminismo?, in A Paz Perpétua e Outros Opúsculos, pp. 11-19.



Isabel Rosete http://isabelrosetefilosofias.blogspot.com/

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