A Europa existe enquanto espaço civilizacional e todos nós portugueses somos, para o bem e para o mal, europeus. Tenhamos ou não consciência disso. Eu, pessoalmente, tive a aguda consciência disso quando, há uns anos, estive no Brasil. Aí percebi que a minha condição lusófona é inevitavelmente compatível com a minha condição de europeu…
A União Europeia é outra história. Foi fundada ainda no rescaldo da II Guerra Mundial, com claros vencedores e vencidos – em particular, a Alemanha, condenada à pena perpétua de nunca mais defender os seus interesses…
Durante décadas, assim foi. E por isso foi a União Europeia generosamente financiada pela Alemanha, que suportou até, resignadamente, a suprema humilhação de se manter dividida. Sabe-se hoje, de resto, que, na véspera da queda do Muro de Berlim, a França (Miterrand) e a Grã-Bretanha (Teatcher) tudo fizeram para que o Muro não caísse. E não foi, decerto, por militância comunista, apesar, no caso de Miterrand, do seu gosto pelas frentes populares…
Na História, pelo menos, não há penas perpétuas. E por isso naturalmente a Alemanha começou a pôr de novo os seus interesses nacionais à frente dos alegados interesses europeus. Foi já assim com Schroeder, é ainda mais claramente assim com Merkel…
Fá-lo, para escândalo do sempre hipócrita politicamente correcto, com toda a legitimidade. Os governos são eleitos, antes de mais, para defenderem os interesses da sua nação. E por isso sorrio sempre quando, nalguns noticiários, se diz, com ar de denúncia, que “x esteve sobretudo preocupado a defender os seus interesses nacionais”. E é claro que “x” nunca é português. Antes fosse. Talvez estivéssemos agora um pouco menos mal…
Também a isto se assistiu na recente eleição do Presidente permanente do Conselho Europeu. Com toda a naturalidade. No dia em que quiser, de facto, acabar com os interesses nacionais, a União Europeia acaba de vez. O resto é mera retórica para entreter palermas…
Vê-se isso, em particular, na política externa de cada país. Em muito casos, é efectivamente impossível falar de uma política externa europeia. Há quem o lamente. Eu, ao invés, penso que essa é a grande força da Europa…
Da Europa. Não da União Europeia…
10 comentários:
Não poderia concordar mais. Muito bem!
Império e Estado: está tudo aqui, para quem consiga entender esta tensão.
Todos os impérios que tentaram destruir nacionalidades foram destruídos por elas... Veja-se a Sérvia, etc, o Muro, etc.
Mas há dois modelos de Império: interventivo e não interventivo (aqui podemos incluir os sistemas de aliança, as «ligas hanseáticas», etc).
Deixa-me lá arrumar os papéis e as ideias, que logo sirvo o meu arroz, não sei se doce...
Abraço MIL.
P. S. O destino da CPLP tem que ser o de um «império não interventivo»...
Eu agora até enfiava um gorro, que está frio :)
Renato, com certeza; de acordo também. Só que - é tarde demais. E isso por uma razão que importa também à observação do Klatuu: os 'Estados', como ele diz, europeus, os principais, são já devoradores de nacionalidades e autonomias, mais ou menos digeridas. O 'império' da 'União Europeia' foi já feito por imperiozinhos de segundo grau: Espanha, França, Itália, Alemanha, Reino Unido... Há duzentos anos (não falo da Idade Média!!) um Parisiense não era percebido por um camponês do Franco-Condado, da Occitania ou da Bretanha, um Romano nao se fazia entender em Veneza, um Inglês entrava em Gales com um intérprete, o mesmo para um Madrileno na funda Galiza. Desde Napoleão, ou talvez desde Luis XIV, ou talvez desde a cisão luterana, o centro da Europa foi a devastação e o poder dos reis foi a espiral da insensatez.
Também preferiria o De Gaulle e a sua orgulhosa França disposta a enfrentar a 'América'... e lembro-me agora do Villepin, crepúsculo de uma certa 'velha' Europa em 2002...
Neste baralhar e dar de novo, a Europa é urgentíssima. Portugal não a vai fazer, que nem no séc. XV teve forças para isso (tentou, na aliança com os duques de Borgonha nos tempos de D. Afonso V!); mas é um suicídio desinteressar-se dela.
Abraço!
PS. Eu começaria por traduzir o Agostinho para francês, se não estiver ainda - e não deve estar :)
O que significa, bem vistas as coisas, que Rompuy talvez tenha sido uma feliz escolha, e um Bonaparte a espumar pela boca teria sido uma péssima. Era isso o que eu queria dizer...
Antes de "voltar à carga", só para dizer que, muito em breve, vai sair uma antologia de textos do Agostinho em francês...
"A Europa existe enquanto espaço civilizacional e todos nós portugueses somos, para o bem e para o mal, europeus. Tenhamos ou não consciência disso."
> Mas o que é isso de "ser europeu"? É que não há uma alma, uma nacionalidade, uma pátria, europeias... há as portuguesas, francesas, inglesas, escocesas, catalãs, etc.
Mas não há a tal "consciência de ser europeu", a não ser nos eurocratas que se passeiam nos céus europeus em primeira classe.
"Eu, pessoalmente, tive a aguda consciência disso quando, há uns anos, estive no Brasil. Aí percebi que a minha condição lusófona é inevitavelmente compatível com a minha condição de europeu…"
-> Um acaso geográfico, essa condição... E mesmo assim de finisterra (como recordava no outro dia o Klatuu). Portugal tem mais fronteira com o Atlântico, do que com o continente europeu, somos assim mais atlânticos que europeus! Isto até do ponto de vista geográfico.
"A União Europeia é outra história. Foi fundada ainda no rescaldo da II Guerra Mundial, com claros vencedores e vencidos – em particular, a Alemanha, condenada à pena perpétua de nunca mais defender os seus interesses…"
> Mas onde manda agora... veja-se o que aconteceu no pacote das telecomunicações, onde Angela Merkel fez inclinar o voto de forma decisiva contra os interesses dos cidadão europeus.
"Durante décadas, assim foi. E por isso foi a União Europeia generosamente financiada pela Alemanha, que suportou até, resignadamente, a suprema humilhação de se manter dividida. Sabe-se hoje, de resto, que, na véspera da queda do Muro de Berlim, a França (Miterrand) e a Grã-Bretanha (Teatcher) tudo fizeram para que o Muro não caísse. E não foi, decerto, por militância comunista, apesar, no caso de Miterrand, do seu gosto pelas frentes populares…"
> Não nego que a UE tem servido aos europeus como forma de travar as suas eternas guerras fraticidas. Mas Portugal nunca esteve nelas, e quando esteve (1ª) foi para defender as suas colónicas da partilha que britânicos e alemães congeminavam nos bastidores! Era a guerra "deles", assim como a UE foi a solução "deles".
"Também a isto se assistiu na recente eleição do Presidente permanente do Conselho Europeu. Com toda a naturalidade. No dia em que quiser, de facto, acabar com os interesses nacionais, a União Europeia acaba de vez. O resto é mera retórica para entreter palermas…"
> Esta eleição indica bem o que é esse monstro. Uma artimanha para fazer com que os "grandes" governem nos "pequenos". Tal arranjo de coisas - cada vez mais evidente - não é do nosso interesse, enquanto "pequenos" e por isso advogo tão veementemente um recentramento da nossa política externa para os países lusófonos, como forma de criar alternativas a prazo a essa assimilação e como forma de junto de outros "pequenos" (se é que o Brasil é pequeno) procurar deter mais influência no rumo da nossa cidadania...
«Europeu» é algo estranho; foi quando se perdeu o «sangue« e ficou a geografia. Mas o importante é isto: sabem todos que são a Cristandade...
E digo isto sem nenhum «temor» religioso, ou fé - é um facto civilizacional, e das poucas coisas do Império Romano que não passaram a «língua morta». Quem ignorar este facto, bem pode olhar para mapas, há sempre uma cor diferente para cada país...
P. S. Portugal entrou na I Grande Guerra, conta a vontade do Reino Unido, e só para provar que era moderno, republicano e europeu. O que nos lixa não é a Europa, é volta e meia andarmos a «lambê-la», como se só assim fizessemos crer que somos europeus - quando foi Portugal que abriu as portas da modernidade à Europa...
O que nos lixa também é, volta e meia, querermos viver isolados da Europa. Eu proponho não pensarmos tanto nela, arrecadarmos o «cacau» que os gajos mandam para fazer algo de jeito (em vez de se gastar o dinheiro em moradias, ferraris e bordéis), dizer-lhes não quando se armam em parvos, e começarmos a reerguer a nossa agriculcura, pescas e indústria (a naval, por exemplo).
E se os gajos protestarem, dizemos-lhes que sim, um sim versão Alentejo, daqueles que levam uma década a desenvolver a acção correspondente ao termo... :)
Errata: agricultura; «agriculcura» deve ser alguma terapia da «permacultura»... :)
Meu caro Klatuu
A Europa é como este blog: não há apostar que não seja postar.
"deixar andar e trazer o cacau" tem sido a receita desde o início. Esquecemo-nos de que os tosquiadores de lã sempre moraram em Inglaterra, e os tecelães sempre moraram na Flandres - não te admires de estarmos sem camisa e sem cabelo...
Aliás, e não por acaso - Castela enriqueceu, antes do Peru, com a criação de ovelhas; sempre entendeu a Europa.
Quando não tivermos medo de ser europeus, não teremos vergonha de não o sermos - só.
Mas tocaste de leve numa coisa que gostava de averiguar, ou que alguém me explicasse: quando terá sido que os herdeiros (ou os carrascos) dos príncipes cristãos passaram a dizer "nós, europeus..."?
O «cacau» vem, ainda não o vi foi erguido nalguma coisa, de facto, estruturalmente proveitosa para o país: são aeroportos, TGV, mais betão no chão e em prédios... num povo que é o que menos viaja na Europa ocidental e a caminhar para o índice zero de crescimento demográfico...
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