A questão do iberismo – ou
seja, grosso modo, da união política
dos povos ibéricos – tem sido pendular na nossa história, sendo que, como é
sabido, o açoriano Joaquim Maria da Silva, nascido em Angra, em 1830, e falecido
em Lisboa, em 1913, teve nela um papel proeminente, sobretudo com a publicação
da obra Federação Ibérica ou Ideias
Gerais Sobre o que Convém ao Futuro da Península. Por um Português (Porto,
Livraria e Typ. de F. G. da Fonseca, 1854), que termina neste tom profético: «Felizes
os que então viverem! Beneméritos da humanidade os que concorrerem com os seus
esforços e vontades para o alcance e realização dessa idade de ouro, de paz, de
fraternidade».
A obra tem, decerto, aspectos
datados – desde logo porque foi escrita em reacção às teses fusionistas d’A Ibéria, de Sinibaldo de Mas –, mas
merece ser recordada como um exemplo eloquente do ambiente em parte
pró-iberista que se viveu em Portugal por essa altura e que se veio a estender
e a amplificar nas décadas seguintes, tendo tido decerto no também açoriano
Antero de Quental um dos seus maiores expoentes, como é, em particular,
apreensível na obra Portugal Perante a
Revolução de Espanha. Considerações sobre o Futuro da Política Portuguesa no
Ponto de Vista da Democracia Ibérica (Lisboa, Tipografia Portuguesa, 1868).
Talvez tenha sido, de resto, a
Geração de 70 a última geração mais resolutamente pró-iberista da nossa
história político-cultural – atente-se, a este respeito no jornal A República, claramente pró-iberista,
onde pontificaram, ainda que de forma breve (o jornal durou escassos meses,
entre Maio e Julho de 1870), para além de Antero de Quental, Oliveira Martins,
Eça de Queirós e Batalha Reis. O que, à partida, se compreende: tendo sido essa
uma Geração profundamente desencantada com os destinos de Portugal, o
federalismo ibérico surgiu-lhe como uma espécie de panaceia, ou, pelo menos, como
a resposta possível para superar a questão da pequenez paralisante do país.
Numa visão crítica, poderíamos dizer que foi uma resposta errada mas uma
resposta errada a uma questão certa: Portugal, de facto, não tinha escala para
sobreviver sozinho, sem estar integrado numa plataforma maior.
Houve, depois, nas décadas
seguintes, alguns ressurgimentos pró-iberistas, mas sem grande expressão:
depois da implantação da República em Portugal e durante a breve vigência da
República em Espanha. Essa foi, de resto, uma marca maior do iberismo: essa
marca republicana, nalguns casos assumidamente socialista (como aconteceu, de
forma mais evidente, em Antero de Quental). Com os regimes encabeçados por
Salazar e Franco, o projecto iberista foi-se tornando uma miragem cada vez mais
longínqua. Havia ainda essa consciência de que Portugal não tinha escala para
sobreviver sozinho, sem estar integrado numa plataforma maior. Mas a resposta a
isso foi a aposta no Império, que soçobrou em Abril de 1974.
*
Com a derrocada do Império,
Portugal apostou, como se sabe, na integração europeia – tendo ingressado, a
par de Espanha, na então CEE: Comunidade Económica Europeia em 1986. Com essa
integração comum, que entretanto se foi aprofundando, o horizonte iberista foi
deixando, cada vez mais, de fazer sentido. Tanto quanto nos recordamos, José
Saramago foi o último intelectual português a manifestar essa paixão, sendo
que, no seu caso, a motivação terá sido especialmente (e excessivamente) pessoal:
casou com uma cidadã espanhola; foi viver para Espanha; com alguma ironia, diríamos
que a União Ibérica seria a forma de Saramago resolver o seu drama pessoal.
Se, no final do século XX, o
federalismo ibérico pareceu tornar-se um cenário completamente ultrapassado,
ele pode agora ressurgir, já em pleno século XXI, com a cada vez mais evidente
desagregação do Estado Espanhol. Durante muitos anos, a grande fissura foi o
País Basco – mas a questão do terrorismo deslegitimou, nos planos nacional e
internacional, a causa. A fissura catalã, que agora emerge de forma aparentemente
irreversível, parece ser uma ameaça bem maior ao Estado Espanhol. Sendo que, se
a Catalunha se tornar independente, o País Basco sê-lo-á também, agora que a
questão do terrorismo foi eliminada de vez. E a série não terminará decerto aí
– mesmo pondo de parte por agora o caso da Galiza, um caso especialmente
singular, pela sua ligação histórica a Portugal e, por extensão, a todo o restante
espaço lusófono.
Face a este cenário de
eminente desagregação do Estado Espanhol, cabe perguntar, desde logo, se ele é
desejável para Portugal, ainda que a pergunta seja em grande parte ociosa.
Mesmo que concluíssemos que o ideal para Portugal seria que o Estado Espanhol
se mantivesse uno, não temos o direito de sacrificar o povo catalão e os demais
povos ibéricos que aspirem à auto-determinação aos nossos interesses nacionais.
Isso não seria, de todo, ético, tal como, por exemplo, não era de todo ética a
posição daqueles que consideravam que a União Soviética deveria ter-se mantido
apenas porque isso seria benéfico para a Europa Ocidental – nos planos social e
político. Mesmo que isso fosse verdade, que direito tínhamos nós de sacrificar
os vários povos da antiga União Soviética aos nossos interesses domésticos?
Nenhum, a nosso ver.
Regressando à Ibéria e retomando esse cenário de desagregação
do Estado Espanhol, acrescentamos apenas que ele não seria, previsivelmente, um
fim em si mesmo. Recuperando essa lógica pendular da história a que já
aludimos, previsivelmente o que aconteceria, no limite-limiar desse cenário,
seria uma re-ligação das várias partes ibéricas, necessariamente agora em bases
diferentes, já sem a hegemonia político-cultural de Castela. A este respeito,
não podemos deixar de convocar Agostinho da Silva, dado que, em vários textos
seus, ele prefigurou, em grande parte, esse cenário. A uma escala, de resto,
não já estritamente ibérica. Tendo prefigurando igualmente, num texto publicado
no jornal brasileiro O Estado de São
Paulo, com a data de 27 de Outubro de 1957, “uma Confederação dos povos de
língua portuguesa”, ele não deixou de equacionar igualmente uma
(re-)aproximação, à escala global, desse bloco geo-cultural e linguístico
lusófono com o bloco geo-cultural e linguístico de matriz castelhana.
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