sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Neptuna

A Moisés Sá, meu amado Mestre, orgulhosamente MIL
Father To Son, Virgo de Los, 2006


guardai, luz e dia, este caótico e oco
tesouro meu um pouco mais. por vós,
perpetrei o lúcido transe das marés
ao malogro na minha voz despojada.

a nocturna vigília perdura por ora
perpétua demais, agora que sais
para a hora aberta ao mar. ó morto,
desde o sempre maremoto rouco,
ouço empalidecer-se-te o corpo
primeiro, a pele, depois o canto, já
insalubre, roto de veias e artérias
como o eco de um grito outrado
ao mar
______entregue
______________o perene plágio
inscrito
______num pusilânime, ledo curso.

afaga-me o rosto uma vergonha diurna
que tremeluz na penumbra e me reduz
ao umbral de urna que é o meu coração.

ouço agora um colosso que naufraga
surdo,
______destroçado,
________________titubeante de tudo,
vago pelo ar que nos tritura de tão vago
e distante...

no teu corpo jaz
um coro de relíquias corais.

ah, como coro e corro
este nada que percorro...
como choro e morro
se tudo me clama o mudo

socorro... coro... e corro...

esta dor envergonha porque flui
estanque, suada e cataclísmica –
travá-la com uma lágrima veloz;
estragá-la, lídima, de um só trago;
a ávida dízima, a vívida química –
a vida atávica, porque trívia:
o passado o pressente o futuro.

a nossa distância reconhecida
(ensimesmada, a sumida!)

queria beijo que ousasse este sismo marulhar
um abismo que não cismasse por tanto recuar
às profundezas de algo que algas leva ao mar
à tormenta, ao dar lugar, à íngreme passagem
ao primevo berço lapidar
_____________________teu corpo entregue.

a minha língua na fonte seca
_______________________a fronte aberta
fenda
_____a lâmina inquieta
___________________e desperta, sempre
_____a certa dialéctica.


entre, pois, a sóbria maresia...
descubra-se, na minha vergonha,
algo que engula a tua sabedoria,


______________________________a nossa distância
___________________________pela sombria maré unida


__________________________________neptuna,


a lúcida loucura
breve de eterna
esta lúdica cura
fugaz de imensa


________________________________a musa taciturna:


onde quer que reluza o seu ouro, assim me seduza a tua ferrugem.


deste círculo imperfeito
ao inferno retorno,
onde quer que nos encontremos,
a nossa errância firmemos,
afirmemos e confirmemo-la,
amando leves como a onda,
rastejando sem deixar rasto,
o traço no rascunho efémero
da jamais errática diaboléctica;
e que o horror alto celebremos,
putrefactos de belos, extremos,
como silvos pelo céu soluçados,
como gritos agrilhoados ao véu
da noite que sobre nós desceu,
sobre nós, ancestrais, que vãos
redigiremos os elos do futuro –
zelosos, atarácticos, não puros.


ah, mar e mar!
____________se há devir e voltar
___________________________ensinai-nos a escrever
_________________________cadáveres ébrios de sonhar
_____________________________em plácida agonia
______________________________a frágua da vida:
______________________________a tácita diagonia.


João Nery S.


No Grave Like Home, Virgo de Los, 2008



O Mar, Madredeus, 1994

9 comentários:

  1. Boas Festas para todos os MILitantes!

    Abraços!

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  2. Um estreito abraço, João.

    À beira do abismo só a poesia nos salva, ainda que a poesia seja o féretro dos poetas, é esse o nosso destino.

    Um Feliz Natal; seja lá o que isso quer dizer, também gosto do Natal.

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  3. Boas Festas!
    Beijos e abraços MIL

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  4. Boas Festas para todos os que por aqui passam...e param:)

    Beijos MIL.

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  5. O poema é fabuloso

    Abraço e feliz natal a todos

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  6. Poemaço porreta!
    Feliz 2010!
    Beijos.

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  7. Abraços e beijos para todos. Haja paz!


    P. S. Jesus, adorei a palavra «féretro». Vou já arranjar maneira de a usar no trecho de hoje das minhas Mortes e Dias. :)=

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  8. Se algum ou alguma MILitante se sentir interessado... Mortes e Dias.

    Viva!

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  9. Que gajo mais indecente... deves ter o umbigo pouco grande, deves. ;)

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